Minha razão

Olá!!
Criei esse espaço para postar subjetivações subjetivantes do sujeito que sou!
Filosofia, psicologia, educação.

domingo, 27 de março de 2016

Sobre o ser Doutora

       Meu pai me deixou um exemplo de mente cooperativa. Minha vida, com meus irmãos, me mostrou um exemplo de vida competitiva. Imagine, somos 07 e nasci como sétima. Conheço a cooperação e a competição de berço.
       Hoje procuro conjugar minha vida no mundo a partir de um princípio cooperativo, mesmo sabendo que estou em um mundo um tanto competitivo. Não consigo acompanhar os marcos da competição e tendo a vivenciar princípios de cooperação no meu cotidiano. E essa minha decisão me leva a pensar sobre minha condição de doutora. Afinal, fiz esse ritual de passagem, mesmo que no passar dos anos repetia a mim mesma que não o iria fazer.
       Para mim, um Doutor é como um artista que precisa de um mecenas. Alguém que confie na sua capacidade e invista no seu desenvolvimento, pois um Doutor é um artista da produção do conhecimento. Ele precisa ganhar dinheiro com o seu pensar. Mas o seu pensar é algo que precisa avançar nas zonas de sentido do pensamento humano.
       Produzir ideias é como uma arte que precisa de inspiração e transpiração para a sua expiração. No Brasil quem ainda faz isso melhor (ser mecenas de um doutor artista e artesão) são as universidades federais. São muito poucas as Instituições de Ensino Superior que atuam como generosos mecenas. Por isso muitos de meus colegas sonham com sua vaga numa Federal. Bem, eu não sonho bem com isso.
       Não tenho isso como meta pois, soma-se a isso a constatação do mundo competitivo, que cria sistemas de avaliação baseados mais em quantidades. Avaliações desproporcionais causam desvios indesejáveis. Doutores avaliados pela quantidade correm o risco de estafar, perder qualidade, desistir da criação, entre outros. Acabam por publicar mais do mesmo e mais do mesmo, abandonando o maior talento do artista: produzir o novo, o inusitado, o surpreendente.
       Se estamos preocupados com construção de mundo com garantias de direitos humanos e ecológicos temos que nos preocupar com as setas que direcionam o mundo via processos avaliativos. Se as instituições de fomento de pesquisa continuarem na sua forma de percepção e avaliação por vias quantitativas e no alto grau "qualis A", vamos perder bons doutores que produzem conhecimentos qualitativos. Eles vão caminhar pelas margens das rodovias do saber quantidade.
       Um país que não cuida de suas bases vai ruir nos castelos das quantidades. Avaliação Qualis A na ponta de cima não responde aos interesses de um país Qualis Z na ponta de baixo. Fica desproporcional.
       Sobre o ser Doutora, digo ... bom ter um blog para poder registrar minhas ideias sem ficar presa nos marcos avaliativos competitivos, todos marcados pela inerente postura ególatra do que se acha mais por ser um tanto menos. Talvez se eu fizesse um artigo ele ficasse estacionado nas filas das impressões. Aqui as ideias fluem melhor, e fluem direto. Já tenho as vias de meu pensamento trilhadas. Agora é mais transpirar para materializar nos cotidianos de pessoas, do que produzir ideias vagas para inundar prateleiras de estantes virtuais. Quando instituirmos a nova ciência, vamos perceber que já instituímos as novas vias de publicação. Tenho a sensação meio estranha de que a ciência anda um passo atrás.

sexta-feira, 25 de março de 2016

Vim aqui para falar de Páscoa

      Quinta feira, 24/03:  Trabalhei muito hoje, dando ritmo a um longo tempo de trabalho contínuo e cotidiano. Muitas aulas, muitas turmas de supervisão, muitos alunos, estágio básico e iniciação científica. Além disso meus pacientes, minha família e, por fim, eu mesma. Tantas coisas para cuidar, produzindo aquele angustiante começo de sensação de que não vou dar conta de tudo. Vou ter que repensar os ritmos e as prioridades. Até já avisei meu coordenador que ele vai ter que tolerar certos atrasos e, óbvio, também a quem eu falo todos os dias, meus alunos. Não vou conseguir ser super humana! Estou eu na beira da estafa?
       Quinta feira, 17:40: Chego em casa e vou relaxar em um banho. Relaxamento e momento de preparação para um feriado. Só que feriado onde, óbvio, contarei com muito trabalho. Mas, pelo menos, vou  contar com outra hora de soar o alarme e serão retirados alguns dos 90 km que dirijo para chegar ao trabalho quatro dias na semana. Abençoado feriado!
      Estou nesse momento de recapacitação e faço minha reflexão sobre o dia que passou, e nela revivo a vivência do grupo de supervisão hoje e a capacitação do grupo que vai em extensão, ensinando-lhes o movimento rítmico do Río Abierto. E também me lembro dos trabalhos que fiz na aula de psicologia social II hoje, especialmente, e das outras turmas de social dias anteriores, pois na semana trabalhei com eles o sentido de grupo e de instituição. E recordei que entre as aulas do dia, fiz construção coletiva com uma colega para um trabalho institucional, e sinto que foi algo também muito bom. E percebo que, uau, ganhei energia! Como os trabalhos foram significativos, como eu gosto das coisas que faço e as coisas que posso falar. Percebi que gastei tanto, mas ganhei muito também. Foram verdadeiros trabalhos de produção de energia. E, quando agradeço, pois percebo que ganhei energia, lembro que é quinta feira da paixão. Uau de novo: o símbolo da Páscoa!! Que importante! Morreremos hoje para renascermos no domingo. Isso não é fantástico? Olha que símbolo rico esse cristianismo nos deu!! Fico duplamente agradecida nesse meu banho de quinta fim do dia. Estou vivenciando um momento pessoal de produção de energia e um coletivo de possibilidade de transformação. Hora de morrer hoje para renascer depois de três dias! Santo feriado!
       Naquele momento, vivenciei o sentido e concretizei em mim uma compreensão. Senti o milagre da vida se manifestando, seu poder criador. A criatividade possibilitada por uma autopoiese. (Ainda não sei se é uma autopoiese possibilitada por uma criatividade, mas um dia eu chego lá). Eu produzo em mim os sentidos e posso extrair lucro energético do gasto energético. E capto que, quando falamos de símbolos que são mais sistêmicos, não tão singulares, temos a possibilidade do poder criador de um coletivo intencionado. A possibilidade da autopoiese sistêmica se produz num momento simbólico social. Todo o imaginário coletivo concretizando uma vivência social. Parte de minha compreensão emerge do resgate do entendimento do trabalho que fiz essa semana na formação dos psicólogos: o princípio da criatividade. A importância do foco no criativo para poder produzir o novo. A importância da criatividade do psicoterapeuta no encontro dialógico da psicoterapia para poder provocar o outro ao seu próprio desenvolvimento criativo autopoiético.


  • A criatividade é um ato de coragem que diz: estou disposto a me arriscar ao ridículo e ao fracasso para experienciar este dia como uma novidade, como algo inédito. A pessoa que ousa criar, romper limites, não apenas participa de um milagre como também percebe que, em seu processo de ser, ela é um milagre. (ZINKER, Processo criativo em Gestalt-terapia, Ed. Summus, 2007, p. 16.)


      Sexta feira: Venho corrigir e fechar o post.
      Lembro que ontem vim aqui para falar de Páscoa. Hoje, sendo sexta, trago o sentido do jejum e da abstinência. Jejum e abstinência na sexta-feira santa é assim: ontem vi meu pai fazendo isso convicto e hoje vejo minha filha dizer: "oh! que pena! Não vou fazer jejum!"
      E em mim sinto os dois corretos. Tanto o fazer, quanto não fazer jejum são corretos, pois não é isso que importa. O que importa é concretizar. E ter consciência da intenção que concretiza.
       Sendo cada ser vivo direcionado por um princípio autopoético, o nosso coletivo também o é. E faz-se importante uma coordenação auto-governada para poder estar no todo. A vida tem sido tão projetiva nessa nossa modernidade, que estamos no extremo do impossível em termos autopoiéticos. Outra norma precisa entrar em vigor no sentido coletivo da autopoiese, para trazer de volta a flecha desenfreada da projeção no outro, no objeto.
       O sentido mecânico da modernidade precisa urgentemente relaxar ao sentido ecológico das eras mais pré-socráticas. Tratar os assuntos mais autodirecionados podem diminuir esse sentido de projeção mecanicista e produzir um sentido menos racional. É hora de integrar os fragmentos para compreender a totalidade e responsabilizar-se por seu próprio sentido autopoético. A unidade da criação ciente de seu processo autocriador para contribuir com o coletivo da autocriação.
      Seja o que for, sinto que falo da unidade simbólico-emocional, defendida por González Rey no sentido subjetivo. E o vejo como um sentido que existe por um princípio autopoiético, tal como defendem Maturana e Varela. A vida tem como poder intrínseco o auto-criar-se, por isso existe. E, se existe, é por que integra N dimensões. Talvez nunca venhamos a saber quantas.
       O simbólico-emocional como força criadora de movimentos do sujeito integrado com seu objeto. É algo que acontece muito densamente, pois existimos no corpo. E na Páscoa esse simbolismo ganha o sentido do poder máximo da autocriação. O ser humano (suposto) que consegue (supostamente) reanimar sua matéria morta em sofrimento de dor.
       Assim, que essa Páscoa seja bastante autopoiética nesse 2016. Principalmente nesse meu Brasil tão dicotomizado. Enquanto nós não resolvermos nossa dicotomia quase essencial, não vamos sair dessa armadilha da polarização desarmônica. Nesse momento da minha nação, desejo que o coletivo realmente acorde, pois senão vamos entrar em autofagia dia a dia. O princípio autopoiético leva para o bem, ou para o mal. Tanto faz!
      Acho que era isso ... um post pessoal, cultural e filosófico, para celebrar um feriado de Páscoa. Bom renascimento no domingo! Eu estou renascendo na luz! Compreender a autopoiese é um presente e tanto para uma Páscoa. Hare, Varela!!!
       Grata!


OBS: Hoje quero registrar o quanto  um blog é um bom amigo, pois aqui posso sentir que exponho meu ponto de vista para mim mesma com a sensação de que não estou guardando só prá mim. Desde que começou a semestre letivo não pude voltar aqui e, portanto, agradeço ainda mais esse feriado de Páscoa por me possibilitar o re-encontro com esse espaço.