Minha razão

Olá!!
Criei esse espaço para postar subjetivações subjetivantes do sujeito que sou!
Filosofia, psicologia, educação.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2019

O Eu virtual e o Cérebro (neuro)plástico

       A neuroplasticidade é a propriedade que possibilita ao cérebro modificar sua própria estrutura e seu funcionamento em resposta às atividades concretas e experiências mentais. São atividades concretas aquelas que entram no sistema via captores de externalidade. Audição, visão, olfato, paladar e toque, são as mais conhecidas, mas temos também o sentido proprioceptivo, um sistema multi-sensorial/sensitivo. A propriocepção existe por existirem sistemas sensoriais/sensitivos particularizados. Ela é um todo que não é igual à soma de suas partes. Ela integra o todo material e imaterial de nosso corpo. Localização, limiares, expressões, amplitudes, postura, movimento - ser aí no mundo sendo um cérebro neuroplástico em vida.
       A neuroplasticidade substitui a ciência do localizacionismo, sistema teórico que defende o cérebro como determinado, particularizado e fixo. Da mesma forma, com a neuroplasticidade alcançamos um sentido de Eu que perde o determinismo, a particularidade e a fixidez. Nesse universo o Eu passa a ser um todo formado por partes, sendo que as partes só existem por existir um todo e o todo só existe por existirem as partes. Este é, portanto, um Eu virtual, pois é não localizado, globalizado e inter-atuante.
       Os avanços dos estudos sobre a neuroplasticidade corroboram pensamentos teóricos de Freud, Jung e até mesmo de Reich e sua percepção corporal da formação do caráter. Há uma confirmação científica de que a construção do Eu, na relação com o outro, nos transforma em Eus virtuais. Somos imagem de Eu, não uma fonte emanadora de sentido exclusivo, mas um jogo de espelhos que não nos permite definir onde está o objeto. Somos todos loucos em um descontrolado looping cerebral e isso está ligado à nossa história pessoal e ancestral.
       Sabendo o Eu que não existe o que poderia acontecer?
       Esse conhecimento é a curva, a chance de ir para entropia ou anatropia. Daí a importância de inserir a discussão sobre a intenção e a consciência. Pelo que existe, precisamos ser um Eu para estar no mundo, compondo o mundo com uma multiplicidade de Eus.
      Temos na propriocepção, então, uma via de trabalho da auto-regulação, sendo este um trabalho fácil e difícil ao mesmo tempo. Transformarmos a nós mesmos e proporcionarmos nossa saúde tem na plasticidade neural sua benção e sua maldição. Entendi isso ainda mais neste janeiro de 2019 com a ajuda da leitura do livro Auto-engano, de Eduardo Giannetti, da Cia. das Letras, 1997. Eu levei comigo para as férias o livro O cérebro que cura, de Norman Doidge (2016), pois queria aprofundar o estudo do Eu virtual e dos jogos de intenção e compor esse post. Todavia, chegou em minhas mãos o livro sobre o  auto-engano de surpresa e com a leitura desse livro fortaleço essa discussão, pois com ele compreendi que a propriocepção é um sistema montado sobre o auto-engano. E agora? Como trabalhar para que o Eu pare de se auto-enganar e possa, assim, se auto-regular? E mais: como fazer isso se não existe um Eu?
       Esse trabalho é complexo pois, de acordo com a neuroplasticidade, precisamos integrar neurônios que estão separados e separar neurônios que estão integrados. Precisamos despertar aqueles bons que estão adormecidos e adormecer os ruins que estão ativados. As dores derivam de plasticidades descontroladas, pois áreas que regulam certas atividades vitais foram sequestradas para processar o sinal da dor. Já falei em outra postagem sobre o cérebro ruidoso e, para que o entendimento se amplie, preciso compartilhar o tema do Eu virtual e provocar o debate defendendo que o Eu só será real quando estudarmos em ciência de primeira pessoa. Os estudos neuroplásticos confirmam que descobertas científicas são feitas quando os médicos profissionais se tratam (Doidge, 2016). Muitos avanços partiram de pessoas que adoeceram e fizeram ações concretas para a sua recuperação. Saúde, dor, neurose são campos de ação da neuroplasticidade e precisam de um Eu intencionado para se transformar. Se eu crio a dor, eu também a des-crio mas, sendo o Eu virtual, quem cria e des-cria?
       O Eu virtual, na verdade, começa com o corpo virtual. Temos uma imagem corporal formada na mente e representada no cérebro e daí, inconscientemente, projetada no corpo. É um corpo virtual, pois possui certa independência do corpo físico. É uma imagem construída a partir de múltiplos estímulos de diversos mapas cerebrais que envolvem principalmente a visão, o tato e a propriocepção, assim como de qualquer mapa que possua registro informacionais de sensitividade e emoções em nosso sistema neural. A imagem corporal representa "o conjunto dos diferentes estímulos dos vários sentidos para o cérebro, mas inclui também as ideias carregadas emocionalmente que a própria pessoa tem sobre seu corpo." (Doidge, 2016, pag. 48).
      O Eu é e não é em um corpo imaginário projetado no real. As construções que fazemos de saúde ou de doença são produtos dessa plasticidade do ser e não ser em projeção. O paradoxo está em que é no Eu virtual que reside a entrada e a saída do sistema. O Eu que é e que não é é quem vive e dita o que vai viver. Não somos loucos, não temos dores. A única coisa que temos é, talvez, um cérebro que tenha dificuldades de virar páginas. Sou um Eu virtual que acredita que vive o que vive. E quanto mais eu fixar, mais neurônios eu vou sequestrar para essa fixação.
      Para um outro post merecemos falar sobre a humanidade como um grande cérebro que tem um Eu virtual. Tal como os neurônios de nosso corpo, que estão todos interligados, os humanos também estão por suas tramas sociais e culturais-históricas. Mas isso é a delícia do tema da subjetividade social, que merece mesmo debates dialógicos próprios. Para finalizar, deixando o gancho, só peço com gentileza ao seu Eu virtual que se recorde que está no mundo e que o mundo existe. Ou não?
       E lembro que a psicologia ajuda cérebros a virar páginas. Esse tem sido o nosso trabalho cotidiano.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2019

A liberdade é uma ilusão


       Muitos pensam que são livres, e querem garantir seu direito de ser livre. Mas, sinto dizer, não somos livres.
       Quando fui votar a primeira vez em urna eletrônica (e Brasília foi um dos primeiros lugares onde isso aconteceu) senti que estava atada.
       Na ocasião eu recebia em casa um amigo de São Paulo que vinha trabalhar na criptografia do Imposto de Renda do Banco Central e, com base nas nossas conversas, já na primeira vez que a mesária digitou meu número de título de eleitor e que me falou: “agora você pode ir ali votar” eu pensei, e falei em voz alta, pois sou impulsiva:  “Nossa! Meu voto não é mais secreto!”
       Hoje passo no posto de gasolina e o moço me pergunta: “quer pontuar premia, moça?”, assim, na primeira vez que digitei o CPF numa dessas máquinas falei: “agora meu CPF já está vinculado à minha senha na tua maquininha!” (e obviamente na rede da qual ela faz parte).
       E, ao abrir meu notebook hoje (instrumento de trabalho,) vejo que o Windows já me liga direto na minha conta Hotmail, e percebo que minha vida está rastreada. Por essa via é possível saber quem sou, por onde ando, quantos piratas e quantos originais eu tenho no meu computador, quem são minhas redes, meus gostos e preferências ... etc.
       Ao abrir meu instrumento de trabalho entro na internet automaticamente e, enquanto digito esse texto aqui no word, sinto a vulnerabilidade dessa experiência de liberdade.
       Então, me pergunto: de que liberdade falar?
       Não pode ser a liberdade do liberalismo, pois ela prevê que estou num mundo social e o mundo social está no mundo material, e nessa vivência material não me sinto livre mesmo!
       No meu entender é essa experiência material que nos afronta tanto e que nos leva a se posicionar ante um ou outro candidato nesse momento de nossa história. Ou mesmo se posicionar no nulo, no branco. É uma decisão pautada pelo nosso material do dia a dia. O dinheiro suado que ganho e o dinheiro fácil que é roubado dos cofres públicos numa nação em conflitos com a lei. O que posso ter ou não ter, quem pode ter ou não ter, o quanto um tem e o outros não tem.
       Daí eu penso: mas tem anos que minha vida é pautada pelo espiritual! Como me posicionar dessa forma frente a essa dura realidade tão material? Como compreender minha liberdade cerceada? As campanhas, os jingles, os marqueteiros – todos estão trabalhando com nossa suposta “liberdade” de escolha.
       Minha família é cristã católica, nasci nesse berço. E compreendo que Cristo era pelo comum, mas meu pai rejeitava o comunismo ao mesmo tempo que era tão cristão. Como isso é possível? Como lido com tanta contradição na minha base de formação? Liberalismo, comunismo ... e agora?
       E aí, como sempre, busco meu minuto de silêncio. Não oro, não peço. Só escuto, pois estou no silêncio e nele estou intencionada.
       E o silêncio me revela ...
       E sigo meu caminho!
Brasília, 23 de outubro de 2014.

05 de fevereiro de 2019 – encontro este texto de 2014. Merece publicação com revisão e adição de texto.
Não somos livres e temos uma inteligência artificial nos coordenando. Escrevi o texto acima em tempos de eleição que dividiam coxinhas e mortadelas. Hoje estamos novamente na dicotomia, só que mais extremada ainda: os bons e os ruins: os eleitos de Deus e os eleitos do Diabo. Definitivamente, livres não somos.