Minha razão

Olá!!
Criei esse espaço para postar subjetivações subjetivantes do sujeito que sou!
Filosofia, psicologia, educação.

quinta-feira, 22 de setembro de 2016

Sobre o si mesmo

     Estou empreendendo estudos que auxiliam na consolidação e compreensão da pedagogia em si. Sinto que essa proposta começa em 1988, quando adentro meu caminho de formação, aos 21 anos. Hoje, aos 50, sinto que consegui construir um entendimento maduro do humano social e psicológico, o que me permite compreendê-lo como subjetivo complexo. Assim, em meu doutorado em educação fiz força para manter viva uma ideia, que é a ideia que concretiza em palavras a minha vivência de formação de 30 anos, o caminho do si mesmo no trabalho sobre si. A pedagogia em si tem estreita vinculação com meu processo de formação e com as estratégias pedagógicas que vivenciei junto aos meus professores Doro Ortiz, Mário Baldani e Maria Adela Palcos. 
       Sou um ser vivo com capacidade reflexiva. Tenho memória, reprodução de imagens e sentimentos, construção e criação de imagens e compartilho um imaginário social. Tenho pensamentos misturados com emoções em um corpo biológico. Vivo num mundo, estou no mundo, sou um mundo. Como conhecer isso? Como compreender o mundo e a mim? A proposta que faço hoje, vinda de minha própria experiência, é a pedagogia em si. Um caminho que visa reintegrar sujeito e objeto, comprometendo o Eu em seu próprio desenvolvimento.
      Uma das coisas que senti em minha banca de defesa de doutorado foi que existe um certo "medo" sobre o sentido do "si mesmo". E em que moraria o medo do si mesmo? Moraria em uma história: a história da psicologia. Quando a psicologia propõe um debate sobre self, abre um caminho controvertido para uma categoria que até hoje paira sobre os desentendimentos e deslizes acadêmicos e conceituais.
       Estudando Vittorio Guidano hoje não me sinto tão só nesse caminho do si mesmo. E percebo que não precisamos mesmo temê-lo, assim como todos os contratempos que a psicologia viveu (e vive) em relação ao si mesmo. Guidano me ajuda a pensar que a identidade é construída de forma ativa e contínua, seguindo uma tendência auto-organizadora.
       Os estudos epistemológicos buscam compreender os processos de conhecimento e de sistemas conhecedores e a pedagogia em si mesmo, como caminho pedagógico, se fundamenta na noção de que os processos de conhecimento são emergentes e produtos contínuos da unidade do conhecedor com a realidade (objeto do conhecimento). O conhecimento não é algo isolado em si e sim a expressão de uma relação específica entre o conhecedor e o conhecido
       Quem conhece é o Eu. É o Eu que faz parte do mar do conhecimento, mas que é capaz de perceber: estou no mar, mas não sou o mar. O perceber-se diferente do mar é um movimento de flutuações que surgem da interação do Uno com o Múltiplo, do dentro com o fora.  A isso acrescenta-se que o sistema de conhecimento humano possui uma capacidade auto-organizadora e a percepção de que as capacidades cognitivas são evolutivas, ampliando-se às possibilidades maiores, em processos crescentes. Daí o alcance das capacidades cognitivas superiores por parte dos seres humanos.
       O processo do conhecer organizou um sentido de identidade pessoal, com sentimentos de unicidade e continuidade histórica que são inerentes. Possuir uma organização identitária auto-organizada contínua e estável possibilita a auto-percepção e a auto-avaliação coerente frente ao vir a ser temporal do Eu e da realidade mutante. Sem essa capacidade a pessoa seria incapaz de funcionar adequadamente e perderia o sentido de realidade. Isso é o que me ajuda a construir Guidano.
       A percepção da identidade pessoal é construída ativamente pela pessoa que conhece e que produz sua própria identidade ordenando a experiência contínua de acordo com as capacidades de processamento das informações disponíveis. A mente humana é um sistema autônomo, auto-referenciado, que não funciona de forma simplista como um sistema ENTRADA-SAÍDA, e sim como um sistema complexo de auto-manutenção com níveis de referência gerados internamente (essa é ideia de Varela, compartilhada por Guidano).
       O computador tem capacidade reduzida de renovar-se e reconstruir-se a partir de si mesmo. A mente humana não. Ela é recursiva e auto-organizada. A isso que leio em Vittorio Guidano ouso chamar de propriocepção. A mente funciona como um sistema produtivo ativo. A mente não é um colecionador de dados, mas um sistema produtor. Captamos as sensações e as organizamos numa perspectiva de auto-referência. Existe um sistema físico e não físico que organiza o meu perceber-me no mundo, e ele funciona por autopoiese.
       O ser no tempo é a dimensão histórica. O caminho do passado ao futuro é uma ordem temporal objetiva, que seria o que temos por "realidade", algo além de nosso sentido subjetivo. Seria aquilo com o qual o Eu dialoga, pois o Eu não esgota em si o Universo. O mundo material que está sob a ação do tempo e que pre-existiu ao ser humano reflexivo e que ele começou a transformar assim que começou a fazer a reflexão.
       O que defendo é que, para que haja a integração entre sujeito e objeto de conhecimento, é importante que os processos pedagógicos comprometam o ser em desenvolvimento com seu centro de referência auto-organizadora. Provocar movimentos que impliquem o sujeito na responsabilidade por seu próprio caminho de conhecer e de construção de ser, buscando provocar sua emergência e a possibilidade de encontro com o conhecimento inesgotável de si e do mundo.

Para conhecer mais de Guidano buscar The self in process e Complexity of the self.

quarta-feira, 21 de setembro de 2016

Dois símbolos

Em 2011 comecei esse blog. Agora, em 2016, eu o sinto vivo, maduro.
    
  E percebi que dois símbolos ainda não estão aqui:

Um,  o céfalo caudal, o espiral neural. Símbolo que qualifica meu trabalho psicocorporal e de ecologia humana com meus pacientes.

Outro, o link para um artigo publicado. O artigo que compartilha com a comunidade acadêmica os primórdios da pedagogia em si, quando ainda de si.
Estou avançando nos estudos e nas práticas que consolidam a pedagogia em si, e hoje percebo que ela é tão ou mais importante ao professor, que ao aluno. Se o professor não mergulhou num caminho do conhecimento que o integre com o que conhece, ele não irá realmente concretizar esse caminho aquele que, por alguns momentos do seu desenvolvimento, é seu aluno.


domingo, 18 de setembro de 2016

Um caminho pedagógico

      A psicologia compreende algumas coisas e faz algumas propostas. Problematiza seu tema de estudo e produz alguns experimentos que lhe possibilite confirmar suas hipóteses.
      A pedagogia, por sua vez, busca caminhos de transformação pela via de construção do conhecimento. Ao contrário do que se defende em algumas instâncias, a educação é a possibilidade de ajudar um outro a produzir seu próprio conhecimento. A pessoa precisa conhecer o que já se produziu, mas com base nisso deverá produzir o seu próprio, senão o conhecimento não acontecerá nela. Ela irá se informar, se aproximar, mas poderá esquecer. Ou então poderá se mecanizar no encontro com o conhecimento, reproduzindo-o automaticamente, sem saber muito bem do que está falando, pois reprodução mecânica de informação não é relação de conhecimento vindo de um saber. Um saber que, como diria Baldani, vem de um sabor experimentado e conhecido.
       Um de nossos desafios no lugar de humano é a dialética da sujeição e do sujeito. A que Eu me sujeito? Um certo grau de sujeição é necessário, senão, não dialogo. Preciso sujeitar-me a onda social, mas posso dialogar com ela e tensioná-la. Esse é o jogo do sujeito e do social.
       A dificuldade nesse jogo mora no inconsciente, no oculto, pois ele é surpreendente. Entretanto, é aí que mora também o poder criativo, o poder de gerar o novo.
       O que é um condicionamento? Essa é uma das primeiras categorias que marca o caminho da psicologia como ciência. Algumas coisas passam a ser condicionadas. E quando isso acontece, não precisa mais sujeito. A pessoa funciona perfeita na onda social, sem tensioná-la. Por isso alguns de meus colegas trabalham para os grandes sistemas, ajustando as pessoas ao seu ciclo de forma que fluam, não sofram, produzam o necessário e permitam ao sistema seguir funcionando.
       Mas sabemos como psicólogos que o não condicionamento também acontece. Alguns saem da métrica e não conseguem ajustar-se ao normatizado. É aí que entra o grande desafio da psicologia: explicar os desviantes da norma.
       Então, percebam: uma onda social e um sujeito. Sou a onda ou surfo na onda? O que é a onda? O que é o sujeito? O que é uma pessoa assujeitada? Quem pode nos mostrar isso é um caminho pedagógico. O caminho do conhecimento. Do conhecer o mundo, aprender a lê-lo e conhecer o sujeito que lê o mundo, proporcionando a integralidade do conhecedor e do conhecimento.
       E a estratégia de uma pedagogia em si coloca o objeto integrado ao sujeito, na vivência concreta do conhecer. O que transforma é a pedagogia. A compreensão é subjetiva/objetiva e o processo é pedagógico de si e em si mesmo. O Eu em autopoiese.
       Muitos sabem o quanto a pedagogia transforma. Daí as constantes interferências e abandonos nesse campo. Muitos preferem seguir nos condicionamentos, tentando perpetuar uma robotização do humano. E nesse trabalho a psicologia abre seus leques e dialoga com outros campos, dentre eles, a pedagogia. O ser humano precisa estar no mundo, importante conhecê-lo sentindo-se parte dele.

sábado, 17 de setembro de 2016

Onde habita a transformação?

       Fico intrigada com certos textos, supostamente canalizados por entidades não materiais, que afirmam questões relacionadas aos momentos de transformação ou conexão com o todo. Muitas vezes esses textos trazem alento, mas colocam a questão em termos de: "esse é o momento! Abriu-se o portal, aproveite!" Seria assim mesmo? Seria fato que abrem-se portais e fecham-se portais?
       Minha experiência como psicóloga e psicoterapeuta, ou mesmo como ser humano em busca da transformação de si, me deixa pensando que vivemos momentos de transformação acelerada, principalmente em se falando de século XX e século XXI. E essa mesma experiência concreta me indica que o que vivenciamos faz parte de uma grande rede onde o que acontece com a parte acontece também com o todo. Nosso planeta vive algo não fragmentado e sim contínuo. O ser humano faz parte desse processo na medida em que ele, em sua existência, realiza a conexão entre o material e o imaterial. Fazemos parte de um macrossistema que tem em si uma cadência onde o que acontece faz parte de uma orquestra harmônica e uníssona. Sob essa perspectiva prefiro pensar que os portais estão sempre abertos e que o que faz a diferença é a conexão de cada um com eles.
       Cada ser humano é, em si, um microssistema no qual o que ocorre fora ocorre também internamente. E a transformação reverbera, seja de dentro para fora, seja de fora para dentro. São processos integrados e simultâneos. Por alguma via precisa começar. Se está difícil perceber a mudança vinda de fora, importante começar a reverberação por dentro, por si mesmo.
       Assim, cabe a cada ser humano singular cuidar de seus aspectos de transformação. Assim poderemos afinar nosso tom ao da orquestra universal. É um trabalho de ajuste de frequência do Eu ao Todo. E isso pode ser feito a qualquer momento, desde que chegue o sinal: "chegou a hora! É agora! Não posso mais ficar passivo vendo tudo acontecer e perder o bilhete de entrada no trem que leva rumo às frequências vibracionais diferenciadas."
       A energia é injetada a todo momento no sistema e cada um pode reconectar seus sentidos nessa frequência vibracional mais alta. Para isso é necessário trabalhar, sendo que infinitas são as formas e cada um saberá qual a sua: meditação, oração, canalização, alimentação, respiração. Qualquer forma de trabalho disciplinado que mude o estado de consciência ordinário e ponha o ser humano em contato com outras possibilidades de percepção e compreensão são possibilidades de alteração de frequência.
       Sabemos que o estado não ordinário de consciência é uma possibilidade do humano e que não é mais tão difícil acessá-lo, tal como foi nos tempos da escolas ocultistas, que precisavam se esconder para se proteger, dificultando às pessoas comuns o acesso a certos conhecimentos. E também sabemos que não é um fenômeno que ocorre só com alguns poucos escolhidos, que ocorre com o outro e não comigo. Se é possível a um, é possível ao outro, afinal, somos todos os mesmos humanos.
       A forma mais leve, gostosa, fluida e surpreendente de conexão que já experimentei no meu percurso de formação foi o soltar o corpo na música, deixando a voz acompanhar e a respiração fluir espontânea. Deixar o tom da nota musical tocar meu corpo e fazer vibrar a frequência de seu tom e som. Permitir que meus braços transformem-se em asas e meus pés em raízes. Permitir que fale em mim o personagem da dor, da força, da luz e do amor. A música tocando e o corpo vibrando.
       De que corpo estou falando? Do corpo físico, que através dos seus sentidos de audição, visão, tato, olfato, paladar e propriocepção me transporta e me conecta aos outros corpos: emocional, mental, espiritual, conjugando a minha unidade objetiva-subjetiva. Nesse instante de conexão sou e não sou, espontaneamente. Sou um corpo que é ao mesmo tempo material e imaterial, real e imaginário, um todo integrado, tocando em uníssono com a sinfonia do Universo.
      Por essa via o processo humano maior de transformação que vivemos vai sendo expressado no aqui e agora do viver minimizado do Eu. Um Eu que pode ser tantos eus. Uma expressão que permite sair do espaço mínimo e ampliar-se nas possibilidades, caminhando através do espelho que revela tudo o que o Eu pode ser: branco, negro, índio, rico, pobre, inteligente, besta, doutor ou zé ninguém. Todos Eus e tudo o que eu posso ser.
       O que pode ser transformado é a forma de perceber-se e de perceber aquilo que ultrapassa o Eu. É isso que propõem as leituras de psicologia que falam de um movimento transpessoal, ou seja, perceber que o humano pode transcender o que acredita ser há milênios na história da humanidade: Eu. É isso que tantos caminhos espirituais procuram atingir com seus exercícios disciplinados. E é isso que é possível conseguir através da dança e da possibilidade de conexão que ela proporciona ao ser humano.

Grata à Fundacíon Internacional Río Abierto, com sede em Buenos Aires, que me trouxe essa formação.

sexta-feira, 16 de setembro de 2016

A couraça e o caráter, em poucas palavras

       Wilhelm Reich foi um psicanalista que percebeu limites ou impossibilidades nessa via de compreensão do humano, avançando na tentativa de compreender a saúde e a doença por vias bioenergéticas (não só psico-energéticas).
       Freud marcou a história da psiquiatria e da psicologia por fornecer elementos impactantes que traziam o inconsciente como via de produção de sintomas, antes compreendidos como sintomas orgânicos. Seu tempo era de consolidação da psicologia como uma ciência natural, que buscava cada vez mais pautar-se pelo observável, mensurável, e ele apontou a necessidade de compreensão do imensurável e do não observável elaborado por vias indiretas e difusas. Freud fala de um aparelho psíquico organizado em Isso, Eu e Supereu que maneja uma economia energética via troca entre essas instâncias. Além disso, fala em dinâmicas de inconsciente, sub-consciente e consciente numa época em que a psicologia queria por toda força tornar-se uma ciência do comportamento perceptivo. Assim, os que vierem depois de Freud, seguindo seus passos, já partiram desse pressuposto por ele apresentado. Um deles é Reich.
       Reich observou que o corpo participava do processo psíquico uma vez que nossas defesas se transformavam em travas psico-físicas. Ampliando o que a psicanálise apresentava como mecanismo de defesa, defendeu que ao longo do processo de desenvolvimento do Eu ocorriam alterações crônicas que formariam o caráter. Em outras palavras, o que produz a formação do caráter seria a rigidez do Eu resultante de uma alteração crônica. O Eu fez isso para proteger-se contra perigos e ameaças, fez por estratégias de proteção. A esta estratégia de proteção crônica Reich chamou couraça. As couraças se formam como resultado crônico do choque entre as exigências pulsionais e o mundo exterior que frustra essas exigências. Isso corresponde a dizer que a criança, em seu impulso de vida, encontrou barreiras que a frustraram e que contribuíram para que ela construisse uma parede corporal de proteção. Para Freud essa parede de proteção estava nos mecanismos inconscientes. Para Reich essa parede chama-se caráter e se constitui numa integração do aparelho psíquico e do aparelho fisiológico. O caráter é uma maneira de portar-se no mundo em dinâmica psico-física conjugada.
       Assim sendo, essa rigidez ou enrijecimento vem acompanhando a pessoa e ela está tão acostumada a lidar com o mundo através dela, que passa a acreditar que essa forma crônica é ela mesma. Enquanto existe um benefício que se origina no caráter, o Eu nunca irá se questionar sobre ele. Todavia se, num dado momento da vida, algo começa a incomodar, o Eu irá deparar-se frente e frente com uma necessidade de transformação que implica seu corpo psico-físico. Se tiver coragem irá empreender um caminho longo e difícil de transformação.
       Nos tempos de Freud e Reich havia um determinismo aprisionante que colocava a mudança como algo raro, pois a cronicidade e a dificuldade de acesso aos pontos inconscientes dificultavam esse posicionamento mais maleável. Hoje os tempos são outros e a leitura de mundo e de humano favorecem às mudanças e as reconstruções de si. Em se falando de corpo, importante conjugar as múltiplas dimensões do humano em seu trabalho de reconstrução de si no mundo: corpo físico e corpo psíquico, marcando a unidade do sujeito.

Para saber mais: REICH, Wilhelm. Análise do caráter, São Paulo: Martins Fontes, 1989.