Minha razão

Olá!!
Criei esse espaço para postar subjetivações subjetivantes do sujeito que sou!
Filosofia, psicologia, educação.

domingo, 10 de abril de 2016

O corpo é um símbolo

       O corpo é simbólico. Ser mulher é simbólico. Ser homem é simbólico. Muitos significados e sentidos estão concretizados no corpo como um símbolo. A sexualidade, por sua vez, também está carregada de simbolismos. A perversidade é uma expressão de uma ação (sexual e/ou violenta) simbolizada, ou seja, está carregada de sentidos e significados. Melhor dizendo, de sentidos subjetivos, pois são unidades simbólico-emocionais.
       Saber traduzir esses símbolos e interpretá-los é importante para um trabalho psicológico mais coerente e efetivo. E essa tradução é feita na medida que conseguimos conjugar essa simbolização na dialógica da pessoa humana e do mundo social. Ambos são sistemas bastante complexos e cair nos desvios do reducionismo é fácil para qualquer um de nós. O que quer dizer uma palavra? O que quer dizer um objeto? O que quer dizer uma imagem?
       Existe um diálogo entre a pessoa e a sociedade na dinâmica e no movimento de um e de outro, onde um provoca o outro constantemente. E a Psicologia Social pode usar de alguns códigos para conseguir estabelecer uma decodificação coerente, fazer interpretações que passem pelos sentidos singulares conjugados com os sentidos coletivos das simbolizações.
       E algumas vezes as pessoas pensam, mas não estão produzindo, estão reproduzindo algumas coisas que escutaram e que passaram a considerar como certas. Quando isso acontece podemos dizer que as pessoas “são vividas” pelas grandes representações sociais. Na maioria das vezes isso acontece por uma falta de pensamento crítico e pela própria configuração da escola, que não nos ensinou a pensar, só a reproduzir conceitos prontos. Por conta dessa possibilidade de passividade muitas vezes as pessoas também não “agem” e sim “são agidas”. O grande desafio é discernir onde acontece o agir ou o ser agido, a voz ativa ou a voz passiva, o ser sujeito ou o ser objeto da circunstância.
       O ser humano precisa estar ciente de que sua subjetividade é o que lhe fornece seu maior potencial: o subjetivo criador. Para sairmos do ser passivo e advirmos ao ser sujeito, precisamos de estímulos aos nossos processos reflexivos que permitem um pensamento mais crítico frente ao ordenamento social.
       O nosso potencial subjetivo criador nos possibilita a construção de universos que conjugam em diferentes medidas o imaginário e o real. Então perguntamos: Que universo Deuseli criou? Que universo criaram para ela?
       No caso de Deuseli temos mais perguntas do que respostas e o psicólogo precisa lidar com essa angústia do “não saber”. Eu, simplesmente, não posso afirmar! Tudo o que posso fazer é ampliar os questionamentos. Com esse movimento de ampliar questionamentos é que podemos começar a vislumbrar o não visto.
       Quando avalio alguém como: superior ou inferior, como certo ou errado, como mais ou menos, como maior ou menor, estou lhe atribuindo um juízo de valor. Então, a psicologia que não julga por valores, e sim pelo termômetro da humanidade (mundo compartilhado, singularidade, diversidade e direitos humanos), precisa estar atenta às afirmações que faz mediante evidências que não são fatos.
       Por exemplo, não sabemos por qual razão Deuseli saiu do hospital. Ouvimos dizer que religiosos evangelizadores passam pelo hospital, mas não podemos afirmar que foi a influência deles de uma maneira linear que a fez sair do hospital. E a própria chatice de estar em um lugar onde nada acontece? E a sensação de que estão me enganando e não vão me levar ao aborto aqui dentro? E se ela saiu para tentar aborto lá fora, sozinha, em momentos da trajetória e das vicissitudes das quais não temos relatos? – Quantas possibilidades.
       Por aqui vamos caminhando pelas linguagens do não dito. As coisas que “ouvimos falar” não são fatos por si só. São só coisas que ouvimos falar. E essa consciência é fundamental para um psicólogo. A incerteza é um lugar incômodo e permanecer nela pode ser ansiogênico, mas nem sempre é possível afirmar com certeza em se falando de casos que envolvam transtornos psíquicos. A dialógica do real e do imaginário é traiçoeira, por ser cheia de armadilhas.
       Um dos códigos que temos na nossa cultura é o da machismo, por exemplo. Na nossa cultura é mais fácil ver Deuseli como vítima do que Nego Vila. Alguém pensou na hipótese de Deuseli ter estuprado Nego Vila? Ter forjado uma cena, o seduziu, o envolveu e produziu a loucura, a desmedida, a desarmonia? Ele não parece ter muita consciência de si. Um coadjuvante interessante para provocar um evento.
       Outros símbolos sociais que aparecem na história são a pobreza, o feminino, o assassinato, as exclusões, os dogmas com suas prisões, as normatizações e os desvios delas, o Estado e seus paradoxos contraditórios, a alienação das pessoas sobre a sua condição de humano.
       Precisamos nos questionar: adianta o direito à vida se não temos direito à sanidade?
       Uma reflexão sobre algo é uma construção pessoal. É conseguir olhar as múltiplas dimensões de um evento social humano e compreendê-lo por todos os prismas. Quem estava certo no caso de Deuseli? O que ela está querendo dizer ao mundo como um corpo simbólico?
       Quando pensamos em nossas instituições vemos como todas andam em falência e o quanto precisamos urgentemente reformulá-las: a escola; a família; a igreja; o estado; o trabalho. Os sentidos mudam e as instituições precisam acompanhar as mudanças e não somente ficar atreladas à prisão das tradições.
       Deuseli precisava de algo que poucos de nós temos: o direito de ser humano. Seu corpo virou um símbolo do descaso, do abandono, da incompreensão, da solidão de ser um num mundo tão cheio de gente e tão vazio de humanidade.

Essa postagem é uma homenagem à Deuseli, uma anônima brasileira sem rosto, sem vida, sem autonomia, sem chances. Personagem do documentário À margem do corpo, de Débora Diniz.
É uma postagem feita especialmente para os aprendizes de Psicologia Social II do IESB-Oeste, pois assistimos juntos ao documentário para dialogarmos sobre identidade, códigos, papéis sociais, instituições, ser humano, história e cultura. Se quer entender um pouco mais o que aqui se encontra, vale ver o documentário, que está disponível integralmente na internet.

terça-feira, 5 de abril de 2016

Vamos falar sobre códigos

       Por sermos seres simbólicos, passamos nossos momentos de vida lidando com códigos. Códigos produzidos e códigos decodificados. Alguns são instituições cuja origem está perdida no tempo e no espaço. Ícones inacessíveis à interpretação fácil. Outros são cotidianos, quase banais. Mas todos são códigos.
       Lendo o livro "O temor do sábio", de Patrick Rothfuss (Ed. Arqueiro), encontro um exemplo didático maravilhoso do que é a comunicação e a produção de símbolos que a possibilitam. Um jovem de uma tribo encontra uma nação absolutamente diferente da sua (e de outras que tenha transitado) em termos de modo de vida, visão de mundo e produção de símbolos. E para ele, que quer aprender a arte poderosa dessa nação, é um grande desafio cada novo passo de sua aprendizagem.
     O herói da história vem de um mundo com muitas palavras e múltiplos significados rasos. A nação que visita usa de uma linguagem gestual, poucas palavras e configurações muito diferentes de moral e de usos e costumes. O sentido de vida, coletividade, sexo, gênero para essa nação é completamente novo por ser muito distinto de tudo o que ele aprendeu em sua vida, ainda que tenha tido uma vida de trânsito por diversas outras localidades.
       Lendo o livro, e admirando a maestria do autor na construção dessas linguagens, lembro das aulas de Psicologia Social II sobre esse tema e lembro de tudo o que aprendi com Mario Baldani e que materializei no livro "A Biocibernética Bucal em verso e prosa". Quando falo de produção e decodificação de símbolos preciso falar de biocibernética, ou seja, os múltiplos códigos biológicos que traduzem o sentido da vida. O que defende essa ideia é que nosso viver é pautado na decodificação de códigos, que começa pelos códigos da vida (da lógica da vida, ou bio-lógica) e continua pelos códigos culturais (da lógica do humano antropomórfico social).
       Ao longo da história criamos os códigos que conduzem o nosso viver. No caso do personagem do livro, aprender uma arte significava ter que inserir-se em códigos diversos, que demandavam nova postura, novo entendimento, novas ações.
      O fato de sermos simbólicos faz com que nossa sobrevivência dependa da capacidade de decodificação de códigos socialmente construídos. Hoje, o comunicar acontece por vias distintas das vias de nossos avôs e avós. Isso representa os novos modos de subjetivação possíveis ao humano. Falar sobre códigos é perceber que sentidos e significados permeiam o nosso viver.
      Ao falar de biocibernética estamos falando de uma linguagem codificada em arranjos (bio)químicos, que dialogam com outros arranjos (bio)químicos, diferenciando-se nas mais diversas formas do viver. Uma linguagem sagaz e poderosa, pois se assim não fosse, uma mórula não saberia por quais caminhos seguir e não haveria a diferenciação, em meu entender, o momento mais mágico e inexplicável da vida.
       Cada unidade do todo, de posse de sua inteligência autopoiética, tomo rumo na construção do diverso, fazendo com isso que seja possível a vida com os mistérios de seus desdobramentos. Isso é falar de códigos.