Minha razão

Olá!!
Criei esse espaço para postar subjetivações subjetivantes do sujeito que sou!
Filosofia, psicologia, educação.

sábado, 31 de dezembro de 2016

As moedas

A história do mundo o converteu num local de enredo de uma história de poder de moedas e entre moedas.
Qual a moeda mais forte? Qual a relação entre as moedas?
Temos o dólar, aquele que se quis dominante.
Temos o euro, aquele que se quis social.
E temos o real, nossa moeda tupiniquim, que tenta ser gente num mundo mais amplo de moedas gigantes.
A nossa moeda nacional vive às custas da história de muitas moedas que morreram, tentando fazer de nosso país uma sociedade econômica. Uma pobre moeda que é usurpada, como todas as suas antecessoras que morreram. Uma mulher madura, destinada a uma prostituição cruel, tal como aquilo que sempre fizeram os androcráticos sobre os gilanistas, ou seja, nada mais que uma repetição de um ciclo simbólico que nos habita desde há muito.

Mas, qual deve ser a medida das coisas? Qual deve ser a medida das trocas?
Ou melhor: qual a medida do humano?
Compreendo que, se ficarmos atentos às trocas, aos valores, ao possível, percebemos que o humano merece moedas melhores para ter sua vida e seu poder pautados. Nem o dólar dominante, nem o euro cooperativo, nem o real i-real que temos.

Que venha 2017!
Que morram as mentiras em torno das moedas e seus poderes!
Assim seja!

segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

A Crônica dos Gatos

Eu tenho duas gatas, a Mia e a Kira.
A Kira, mais nova, bate na Mia. Assim a Mia, mais velha, me inspira mais proteção. Além do mais, ela já estava aqui primeiro, nós já tínhamos estabelecido nosso diálogo e estávamos nos dando super bem. De noite eu a buscava e já a encontrava protegida em sua casinha, que ficava na área de serviço. Eu olhava nos olhos dela, ela soltava seu miado suave, eu dava boa noite, fechava a porta da cozinha e ia dormir. Tudo harmônico! Mas isso mudou.
Primeiro chegou o Tigre, nosso macho, que eu já sabia que se fosse prá ficar, era pra ser um castrado. Um outro que chegou para ser Mel, e virou Tigre. Eu já tinha perdido outros machos e já tinha aprendido essa lição. Tigre perdeu seus instintos de procriação, mas não perdeu os de territorialidade. Mas, tudo bem; eu tinha duas casinhas e tava tudo tranquilo. Tigre entrou na dança. Não tirou a Mia de sua casinha e ocupou uma outra. Como sua tia Mia, sofreu violência na infância, tem seu rabo quebrado e nos chegou já bem medroso. Tem um trauma biológico. (sua tia tem rabo quebrado e ficou manca) Apesar de traumatizado, é o macho pernóstico, que se sente no direito de vir sentar no meu colo, entre eu e meu computador, quando estamos os quatro aqui na minha salinha de produção, na qual as duas fêmeas já estão acomodadas na sua. (obviamente com a Mia mais perto de mim e a Kira deitada na almofada no chão).
Daí um dia chegou a Kira de carona numa van escolar. A terceira gata, a segunda fêmea. Chegou de surpresa, tentei mandá-la embora, mas não consegui. E daí tudo mudou mesmo. A Mia meio que se marginalizou, pois perdeu sua casinha. O Tigre pegou a dela, a Kira pegou a do Tigre, e não necessariamente nessa ordem. E a Mia começou a passar as noites na rua. Para mim me parece óbvio que meu instinto protetor aflorou total. Para tudo estou como defesa da Mia, tentando colocar a Kira no seu lugar de segunda.
Um dos problemas que te trazem os gatos é que eles são um tanto noturnos e seu ritmo de sono é bem diferente do nosso. Mas eu descobri que a Mia era capaz de passar a noite quietinha, dormindo bem no pé do meu lado da cama, super ciente de que meu casamento ela não podia atrapalhar. Por tudo isso, hoje ela pode dormir em nossa cama.
E eu enxoto a Kira.
Bem, a Kira também é adorável. Não era para ser minha, mas acabou sendo, pois sou eu que os alimento. E a Kira é muito singular. Talvez por não ter tido um trauma de infância como tiveram os outros dois, ela é muito mais saliente. Ela sobe nas basculantes e fica equilibrada na janela do meu quarto, que é uma fina plataforma que beira um abismo. Ela chegou num sistema já estabelecido e demorou para se aventurar no quintal, onde mora nossa cadela descontrolada. Assim, afiou suas unhas no sofá (relaxei, pois era velho e já fui elogiada pela veterinária que estou conseguindo preservar o mais novo); e Kira ficou sendo uma gata de casa (dá até para levá-la para um ap. de boa, pois é a que mais usa a caixinha de areia que fica dentro de casa).
Enfim, não é que eu não goste da Kira, mas eu tenho um cuidado muito maior com a Mia que, dentre outras, está mais velha e com algumas limitações inerentes à idade de uma gata manca.
Então é isso. Esses são os gatos, suas ações e nossas relações. Mas, o que podemos tirar disso tudo?
Talvez uma percepção de que nosso "centro baixo" nos governe na construção de nossas relações e com isso ajuda a coordenar uma dimensão afetiva, subjetiva. O encontro entre o objetivo e o subjetivo. A natureza e a cultura, a matéria e o imaterial. A ação concreta conjugando um processo subjetivo.
Eu vejo minha relação com a gata Mia, que é um ser vivo autopoiético, e compreendo uma configuração subjetiva arquetípica: a relação com as crias, com aqueles que amparamos e ajudamos a criar. Adoro os três gatos, mas minha afeição por cada um deles é distinta. Seria por isso que os pais são diferentes de um filho para o outro?
As circunstâncias, as histórias, os eventos, as identidades. Elementos que, ao se conjugarem, constroem aquilo que vivemos como real.
Essa é a crônica dos gatos!

A vírgula

Meu problema, são as vírgulas ...
As vírgulas são as pausas ...
Meu problema são as pausas ...
As pausas são a respiração ...
Meu problema está na respiração!

sábado, 24 de dezembro de 2016

Quero passar prá vocês meus três santos.

Assimetria e dessimetria - o ser humano é ser simétrico frontal, mas não simétrico na lateral ou na sagital. Mas é postural e de organização de todo. E temos nossas entradas de captores, que nos dão nossas referências, constituindo-nos em um sistema de propriocepção. O desenvolvimento do ser humano no tempo produz marcas e passagens. Vai ficando na vida da pessoa, e vai oferecendo oportunidades de escolhas, decisões e ações. Vai nos configurando em posturas, que são um diálogo entre o tônico, o hipertônico e o hipotônico. Delícia é ter certeza de quando se está conduzindo, ou sendo conduzido, pois múltiplas partes de mim nesse todo são conduzidas pelo mar arquetípico da subjetividade social.


Esse natal eu não comprei nada. Quase não enfentei minha casa. Hoje, dia 24, estou com tempo para filosofar e trabalhar pela energia do momento. Ao notar que não comprei nada, mas que passei um computador prá Graça e um tablet pro Valdeci, compreendi mais uma vez um princípio da reciclagem.


A vida segue … com seu dia simbólico social.
Escolhi algo bem fácil esse ano, pois ano passado tava na base da festa familiar, uma vez que recebi a festa da família em casa. Mas esse ano vou de convidada e escolhi algo bem fácil para fazer, prá não ter trabalho hoje, coisa que tive muito, o ano todo. Muito bom estar agora comigo mesma e escrevendo um texto, coisa que tive pouco tempo para fazer nesse 2016. Enquanto tá todo mundo assando seu assado ou picando seus ingredientes e os misturando, eu posso estar aqui escrevendo.


Esse ano foi de muita aprendizagem e crescimento. E o mais interessante, foi que eu encontrei meus três santos. Uma vivência de transformação de personalidade.

O Ano de 2016 começou meio estranho, pois o Paquito se empolgou no som e perdeu a hora de fazer a contagem regressiva e, lá na praça pública do Alto Paraíso, nós começamos o ano alguns segundos depois do Brasil. Coisas dos chapados da Chapada. Mas, mesmo assim, o ano começou ...

Em continuação, eu e Saulo passamos a manhã do dia primeiro em trabalho no córrego Samambaia, mergulhando no poço Esmeralda. Energia correndo e limpando nas águas do rio num dia de sol e natureza fértil.

Experiência pública na praça e vivência de limpeza no privado, assim começou meu ciclo que se encerra nesses próximos dias (aliás, dias de portal, quase todos eles, de acordo com o atual Tzolkin).


E o ano foi rolando e, putz! Que ano! No micro e no macro. Na família minha mãe começou a dar indício de surtos, coisa óbvia de quem segurou os surtos de todo mundo ao longo do tempo. E merecido para quem chegou aos 87, pois loucura e sabedoria são semelhantes e velhice tem tudo a ver com os dois. Na minha família de origem, muitas ondas de movimentação.


Política, casamento, mãe, filh@s, trabalho, vida mesma! Tudo precisando acontecer e eu atravessando isso tudo. E chego agora no final, no balanço,e concluo que, uau! Que ano!!


Daí venho registrar que, dentre outros, nesse ano encontrei meus três santos protetores e guias e esse foi o melhor presente. Santo Antônio, São Francisco e São Jorge. Cada um colocado no seu centro, forjando uma armadura de proteção e força, algo tão forte que me deixou com vontade de compartilhar.


Santo Antônio, na minha infância, me guiou pra encontrar meu casamento. De tantas simpatias e tentativas de respostas sobre o casamento, ele me deu a mais certa, eu soube ouvir e, pá - cheguei lá. São quase trinta anos com Saulo daqui em breve. Foi o primeiro santo que consegui ouvir.

Depois que casei, prá atravessar momentos difíceis, recordei de um tal mantra que sugeria “fazei que eu procure mais compreender que ser compreendido, pois é dando que se recebe, é perdoando que se é perdoado e é morrendo que se vive …" E eu repeti em muito todo esse mantra ao longo do tempo, dentro dessa vida de lembranças e esquecimentos.

Daí São Francisco seguiu comigo, me deu a força para eu suportar as dualidades dicotomizadas, e me ajudou a construir um título de Mestre em Ecologia Humana. Via inconsciente veio me orientando e vejo que ele hoje se materializa, nesse tempo, no Papa Francisco. Pensem bem! Estamos no momento planetário de compreensão da vida em visão sistêmica, ecológica. E eu estudei isso esses anos todos, sob o olhar da psicologia, da sociologia e da educação e cultura.

Compreendi dias atrás que o meu grau de formação, seguiu na ajuda de São Francisco e sua ecologia. Um Santo posto, agora, no centro superior.


E esse ano me chegou um terceiro santo, minha terceira força que me guia e que me ajudou a organiza a triádica, algo necessário para seguir em frente o meu caminho no porvir, que é incerto.


São Jorge chegou contudo! E não chegou na oração cantada de São Francisco, num ritmo mais disciplina do pai. Chegou na ginga dançada, com ajuda de Jorge Ben Jor em sua linda tradução da oração de São Jorge. Um movimento que, na voz de Fernanda Abreu, num dia de trabalho em casa, toca no rádio e chega na dança do Rio Abierto! Dançando na sala entra São Jorge e começa a me girar. E se firma no meu peito e me entrega roupas e armas.
Viva, Jorge!
Jorge é da Capadócia!
Salve, Jorge!!!


Nesse momento recebi uma graduação forte. Fechou um ciclo, um saber. Uma ação e um viver.


São Francisco no meu pensamento e São Jorge no meu coração. Santo Antônio na minha base, me dando a força da manutenção, da preservação, da sobrevivência nessa vida tão árdua. A vida na matéria é ardua. Alcançamos alguns confortos, mas esse “árduo” continua se manifestando no inconsciente coletivo. Por isso a difícil tradução de certos processos.


Mas com trabalho e consciência, vamos transformando. O ser humano é um mago, um produtor de energias e manifestações. Um criador de eventos. Um feiticeiro das ondas. Conectar essa força produtora com forças estáveis é bom. Mas, ciente de que não está numa prisão, pois o mais difícil é isso: saber em qual dimensão da realidade estou. Pilotar isso com maestria. Mergulhar na matrix decifrando códigos e abrindo portas. Olhar o viver e o ser vivido.


Meu trabalho é esse: ajudar pessoas a encontrarem seus códigos e atravessarem suas portas. Portas de vida e de percepção. Eu não posso fazer pelo outro, pois cada um precisa abrir as suas portas. Mas, por ter caminhado, posso ajudar quem precisa caminhar.


Chegando ao final do ano, o que mais posso fazer é agradecer por isso! Muito trabalho, muita responsabilidade, mas muito crescimento. Mergulhada no consultório e numa clínica-escola de periferia, encontrei muita aprendizagem ao longo desse ano todo.

Os desafios do crescimento, as subidas e as quedas, mas a certeza de um crescer, de um transformar e de um aprimorar. Com humildade sábia, seguindo o princípio espiritual que esclarece que quanto maior, menor!


Nem sei mais prá quem escrevo isso.
Comecei pensando no público, depois no privado e depois voltei ao público.
Tenho receio em transitar por essa díade: público-privado. Uma das tensões ainda não bem resolvidas na minha configuração subjetiva de personalidade. O que tornar público? Como coordenar o que de mim me pertence e o que de mim não me pertence?


Então, depois de (re)ler o que escrevi até aqui, que foi bastante, vou finalizar decidindo levar isso para meu blog mesmo, como post de natal.


Com as forças e as proteções do invisível, Feliz Natal!!!!
Quero passar prá vocês meus três santos. E estou tão feliz, pois isso também se converte num trabalho: "encontre seus três sant@s e harmonize seus três centros". Seria um bom presente de dia de reis.

Com especial carinho para minhas três irmãs! Minhas três Marias. Minha sorte de ser quatro em sete. 

domingo, 18 de dezembro de 2016

O princípio da mórula

Sobre a mórula
Ela é aquele momento da vida, onde múltiplos iguais sabem exatamente como agir para ser uma parte no todo.
O momento da diferenciação.
Nesse momento todos tem o cóigo coletivo em suas mãos e executam exatamente aquele a que foram incumbidos.
Eu sei a minha parte no todo, eu sei como agir para mim e para o todo.
Esse é o princípio da vida, a lógica da vida.
Cada uno sabe do todo e por ele contribui para que ele mesmo possa sobreviver.
Essa é a linguagem ecológica que precisa ser ensinada nas escolas.
Quando essa linguagem se incorporar e puder atuar, vamos conseguir a tão almejada mudança qualitativa para viver em harmonia com a humanidade e o planeta.

Sigamos o princípio da mórula ..


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quinta-feira, 22 de setembro de 2016

Sobre o si mesmo

     Estou empreendendo estudos que auxiliam na consolidação e compreensão da pedagogia em si. Sinto que essa proposta começa em 1988, quando adentro meu caminho de formação, aos 21 anos. Hoje, aos 50, sinto que consegui construir um entendimento maduro do humano social e psicológico, o que me permite compreendê-lo como subjetivo complexo. Assim, em meu doutorado em educação fiz força para manter viva uma ideia, que é a ideia que concretiza em palavras a minha vivência de formação de 30 anos, o caminho do si mesmo no trabalho sobre si. A pedagogia em si tem estreita vinculação com meu processo de formação e com as estratégias pedagógicas que vivenciei junto aos meus professores Doro Ortiz, Mário Baldani e Maria Adela Palcos. 
       Sou um ser vivo com capacidade reflexiva. Tenho memória, reprodução de imagens e sentimentos, construção e criação de imagens e compartilho um imaginário social. Tenho pensamentos misturados com emoções em um corpo biológico. Vivo num mundo, estou no mundo, sou um mundo. Como conhecer isso? Como compreender o mundo e a mim? A proposta que faço hoje, vinda de minha própria experiência, é a pedagogia em si. Um caminho que visa reintegrar sujeito e objeto, comprometendo o Eu em seu próprio desenvolvimento.
      Uma das coisas que senti em minha banca de defesa de doutorado foi que existe um certo "medo" sobre o sentido do "si mesmo". E em que moraria o medo do si mesmo? Moraria em uma história: a história da psicologia. Quando a psicologia propõe um debate sobre self, abre um caminho controvertido para uma categoria que até hoje paira sobre os desentendimentos e deslizes acadêmicos e conceituais.
       Estudando Vittorio Guidano hoje não me sinto tão só nesse caminho do si mesmo. E percebo que não precisamos mesmo temê-lo, assim como todos os contratempos que a psicologia viveu (e vive) em relação ao si mesmo. Guidano me ajuda a pensar que a identidade é construída de forma ativa e contínua, seguindo uma tendência auto-organizadora.
       Os estudos epistemológicos buscam compreender os processos de conhecimento e de sistemas conhecedores e a pedagogia em si mesmo, como caminho pedagógico, se fundamenta na noção de que os processos de conhecimento são emergentes e produtos contínuos da unidade do conhecedor com a realidade (objeto do conhecimento). O conhecimento não é algo isolado em si e sim a expressão de uma relação específica entre o conhecedor e o conhecido
       Quem conhece é o Eu. É o Eu que faz parte do mar do conhecimento, mas que é capaz de perceber: estou no mar, mas não sou o mar. O perceber-se diferente do mar é um movimento de flutuações que surgem da interação do Uno com o Múltiplo, do dentro com o fora.  A isso acrescenta-se que o sistema de conhecimento humano possui uma capacidade auto-organizadora e a percepção de que as capacidades cognitivas são evolutivas, ampliando-se às possibilidades maiores, em processos crescentes. Daí o alcance das capacidades cognitivas superiores por parte dos seres humanos.
       O processo do conhecer organizou um sentido de identidade pessoal, com sentimentos de unicidade e continuidade histórica que são inerentes. Possuir uma organização identitária auto-organizada contínua e estável possibilita a auto-percepção e a auto-avaliação coerente frente ao vir a ser temporal do Eu e da realidade mutante. Sem essa capacidade a pessoa seria incapaz de funcionar adequadamente e perderia o sentido de realidade. Isso é o que me ajuda a construir Guidano.
       A percepção da identidade pessoal é construída ativamente pela pessoa que conhece e que produz sua própria identidade ordenando a experiência contínua de acordo com as capacidades de processamento das informações disponíveis. A mente humana é um sistema autônomo, auto-referenciado, que não funciona de forma simplista como um sistema ENTRADA-SAÍDA, e sim como um sistema complexo de auto-manutenção com níveis de referência gerados internamente (essa é ideia de Varela, compartilhada por Guidano).
       O computador tem capacidade reduzida de renovar-se e reconstruir-se a partir de si mesmo. A mente humana não. Ela é recursiva e auto-organizada. A isso que leio em Vittorio Guidano ouso chamar de propriocepção. A mente funciona como um sistema produtivo ativo. A mente não é um colecionador de dados, mas um sistema produtor. Captamos as sensações e as organizamos numa perspectiva de auto-referência. Existe um sistema físico e não físico que organiza o meu perceber-me no mundo, e ele funciona por autopoiese.
       O ser no tempo é a dimensão histórica. O caminho do passado ao futuro é uma ordem temporal objetiva, que seria o que temos por "realidade", algo além de nosso sentido subjetivo. Seria aquilo com o qual o Eu dialoga, pois o Eu não esgota em si o Universo. O mundo material que está sob a ação do tempo e que pre-existiu ao ser humano reflexivo e que ele começou a transformar assim que começou a fazer a reflexão.
       O que defendo é que, para que haja a integração entre sujeito e objeto de conhecimento, é importante que os processos pedagógicos comprometam o ser em desenvolvimento com seu centro de referência auto-organizadora. Provocar movimentos que impliquem o sujeito na responsabilidade por seu próprio caminho de conhecer e de construção de ser, buscando provocar sua emergência e a possibilidade de encontro com o conhecimento inesgotável de si e do mundo.

Para conhecer mais de Guidano buscar The self in process e Complexity of the self.

quarta-feira, 21 de setembro de 2016

Dois símbolos

Em 2011 comecei esse blog. Agora, em 2016, eu o sinto vivo, maduro.
    
  E percebi que dois símbolos ainda não estão aqui:

Um,  o céfalo caudal, o espiral neural. Símbolo que qualifica meu trabalho psicocorporal e de ecologia humana com meus pacientes.

Outro, o link para um artigo publicado. O artigo que compartilha com a comunidade acadêmica os primórdios da pedagogia em si, quando ainda de si.
Estou avançando nos estudos e nas práticas que consolidam a pedagogia em si, e hoje percebo que ela é tão ou mais importante ao professor, que ao aluno. Se o professor não mergulhou num caminho do conhecimento que o integre com o que conhece, ele não irá realmente concretizar esse caminho aquele que, por alguns momentos do seu desenvolvimento, é seu aluno.


domingo, 18 de setembro de 2016

Um caminho pedagógico

      A psicologia compreende algumas coisas e faz algumas propostas. Problematiza seu tema de estudo e produz alguns experimentos que lhe possibilite confirmar suas hipóteses.
      A pedagogia, por sua vez, busca caminhos de transformação pela via de construção do conhecimento. Ao contrário do que se defende em algumas instâncias, a educação é a possibilidade de ajudar um outro a produzir seu próprio conhecimento. A pessoa precisa conhecer o que já se produziu, mas com base nisso deverá produzir o seu próprio, senão o conhecimento não acontecerá nela. Ela irá se informar, se aproximar, mas poderá esquecer. Ou então poderá se mecanizar no encontro com o conhecimento, reproduzindo-o automaticamente, sem saber muito bem do que está falando, pois reprodução mecânica de informação não é relação de conhecimento vindo de um saber. Um saber que, como diria Baldani, vem de um sabor experimentado e conhecido.
       Um de nossos desafios no lugar de humano é a dialética da sujeição e do sujeito. A que Eu me sujeito? Um certo grau de sujeição é necessário, senão, não dialogo. Preciso sujeitar-me a onda social, mas posso dialogar com ela e tensioná-la. Esse é o jogo do sujeito e do social.
       A dificuldade nesse jogo mora no inconsciente, no oculto, pois ele é surpreendente. Entretanto, é aí que mora também o poder criativo, o poder de gerar o novo.
       O que é um condicionamento? Essa é uma das primeiras categorias que marca o caminho da psicologia como ciência. Algumas coisas passam a ser condicionadas. E quando isso acontece, não precisa mais sujeito. A pessoa funciona perfeita na onda social, sem tensioná-la. Por isso alguns de meus colegas trabalham para os grandes sistemas, ajustando as pessoas ao seu ciclo de forma que fluam, não sofram, produzam o necessário e permitam ao sistema seguir funcionando.
       Mas sabemos como psicólogos que o não condicionamento também acontece. Alguns saem da métrica e não conseguem ajustar-se ao normatizado. É aí que entra o grande desafio da psicologia: explicar os desviantes da norma.
       Então, percebam: uma onda social e um sujeito. Sou a onda ou surfo na onda? O que é a onda? O que é o sujeito? O que é uma pessoa assujeitada? Quem pode nos mostrar isso é um caminho pedagógico. O caminho do conhecimento. Do conhecer o mundo, aprender a lê-lo e conhecer o sujeito que lê o mundo, proporcionando a integralidade do conhecedor e do conhecimento.
       E a estratégia de uma pedagogia em si coloca o objeto integrado ao sujeito, na vivência concreta do conhecer. O que transforma é a pedagogia. A compreensão é subjetiva/objetiva e o processo é pedagógico de si e em si mesmo. O Eu em autopoiese.
       Muitos sabem o quanto a pedagogia transforma. Daí as constantes interferências e abandonos nesse campo. Muitos preferem seguir nos condicionamentos, tentando perpetuar uma robotização do humano. E nesse trabalho a psicologia abre seus leques e dialoga com outros campos, dentre eles, a pedagogia. O ser humano precisa estar no mundo, importante conhecê-lo sentindo-se parte dele.

sábado, 17 de setembro de 2016

Onde habita a transformação?

       Fico intrigada com certos textos, supostamente canalizados por entidades não materiais, que afirmam questões relacionadas aos momentos de transformação ou conexão com o todo. Muitas vezes esses textos trazem alento, mas colocam a questão em termos de: "esse é o momento! Abriu-se o portal, aproveite!" Seria assim mesmo? Seria fato que abrem-se portais e fecham-se portais?
       Minha experiência como psicóloga e psicoterapeuta, ou mesmo como ser humano em busca da transformação de si, me deixa pensando que vivemos momentos de transformação acelerada, principalmente em se falando de século XX e século XXI. E essa mesma experiência concreta me indica que o que vivenciamos faz parte de uma grande rede onde o que acontece com a parte acontece também com o todo. Nosso planeta vive algo não fragmentado e sim contínuo. O ser humano faz parte desse processo na medida em que ele, em sua existência, realiza a conexão entre o material e o imaterial. Fazemos parte de um macrossistema que tem em si uma cadência onde o que acontece faz parte de uma orquestra harmônica e uníssona. Sob essa perspectiva prefiro pensar que os portais estão sempre abertos e que o que faz a diferença é a conexão de cada um com eles.
       Cada ser humano é, em si, um microssistema no qual o que ocorre fora ocorre também internamente. E a transformação reverbera, seja de dentro para fora, seja de fora para dentro. São processos integrados e simultâneos. Por alguma via precisa começar. Se está difícil perceber a mudança vinda de fora, importante começar a reverberação por dentro, por si mesmo.
       Assim, cabe a cada ser humano singular cuidar de seus aspectos de transformação. Assim poderemos afinar nosso tom ao da orquestra universal. É um trabalho de ajuste de frequência do Eu ao Todo. E isso pode ser feito a qualquer momento, desde que chegue o sinal: "chegou a hora! É agora! Não posso mais ficar passivo vendo tudo acontecer e perder o bilhete de entrada no trem que leva rumo às frequências vibracionais diferenciadas."
       A energia é injetada a todo momento no sistema e cada um pode reconectar seus sentidos nessa frequência vibracional mais alta. Para isso é necessário trabalhar, sendo que infinitas são as formas e cada um saberá qual a sua: meditação, oração, canalização, alimentação, respiração. Qualquer forma de trabalho disciplinado que mude o estado de consciência ordinário e ponha o ser humano em contato com outras possibilidades de percepção e compreensão são possibilidades de alteração de frequência.
       Sabemos que o estado não ordinário de consciência é uma possibilidade do humano e que não é mais tão difícil acessá-lo, tal como foi nos tempos da escolas ocultistas, que precisavam se esconder para se proteger, dificultando às pessoas comuns o acesso a certos conhecimentos. E também sabemos que não é um fenômeno que ocorre só com alguns poucos escolhidos, que ocorre com o outro e não comigo. Se é possível a um, é possível ao outro, afinal, somos todos os mesmos humanos.
       A forma mais leve, gostosa, fluida e surpreendente de conexão que já experimentei no meu percurso de formação foi o soltar o corpo na música, deixando a voz acompanhar e a respiração fluir espontânea. Deixar o tom da nota musical tocar meu corpo e fazer vibrar a frequência de seu tom e som. Permitir que meus braços transformem-se em asas e meus pés em raízes. Permitir que fale em mim o personagem da dor, da força, da luz e do amor. A música tocando e o corpo vibrando.
       De que corpo estou falando? Do corpo físico, que através dos seus sentidos de audição, visão, tato, olfato, paladar e propriocepção me transporta e me conecta aos outros corpos: emocional, mental, espiritual, conjugando a minha unidade objetiva-subjetiva. Nesse instante de conexão sou e não sou, espontaneamente. Sou um corpo que é ao mesmo tempo material e imaterial, real e imaginário, um todo integrado, tocando em uníssono com a sinfonia do Universo.
      Por essa via o processo humano maior de transformação que vivemos vai sendo expressado no aqui e agora do viver minimizado do Eu. Um Eu que pode ser tantos eus. Uma expressão que permite sair do espaço mínimo e ampliar-se nas possibilidades, caminhando através do espelho que revela tudo o que o Eu pode ser: branco, negro, índio, rico, pobre, inteligente, besta, doutor ou zé ninguém. Todos Eus e tudo o que eu posso ser.
       O que pode ser transformado é a forma de perceber-se e de perceber aquilo que ultrapassa o Eu. É isso que propõem as leituras de psicologia que falam de um movimento transpessoal, ou seja, perceber que o humano pode transcender o que acredita ser há milênios na história da humanidade: Eu. É isso que tantos caminhos espirituais procuram atingir com seus exercícios disciplinados. E é isso que é possível conseguir através da dança e da possibilidade de conexão que ela proporciona ao ser humano.

Grata à Fundacíon Internacional Río Abierto, com sede em Buenos Aires, que me trouxe essa formação.

sexta-feira, 16 de setembro de 2016

A couraça e o caráter, em poucas palavras

       Wilhelm Reich foi um psicanalista que percebeu limites ou impossibilidades nessa via de compreensão do humano, avançando na tentativa de compreender a saúde e a doença por vias bioenergéticas (não só psico-energéticas).
       Freud marcou a história da psiquiatria e da psicologia por fornecer elementos impactantes que traziam o inconsciente como via de produção de sintomas, antes compreendidos como sintomas orgânicos. Seu tempo era de consolidação da psicologia como uma ciência natural, que buscava cada vez mais pautar-se pelo observável, mensurável, e ele apontou a necessidade de compreensão do imensurável e do não observável elaborado por vias indiretas e difusas. Freud fala de um aparelho psíquico organizado em Isso, Eu e Supereu que maneja uma economia energética via troca entre essas instâncias. Além disso, fala em dinâmicas de inconsciente, sub-consciente e consciente numa época em que a psicologia queria por toda força tornar-se uma ciência do comportamento perceptivo. Assim, os que vierem depois de Freud, seguindo seus passos, já partiram desse pressuposto por ele apresentado. Um deles é Reich.
       Reich observou que o corpo participava do processo psíquico uma vez que nossas defesas se transformavam em travas psico-físicas. Ampliando o que a psicanálise apresentava como mecanismo de defesa, defendeu que ao longo do processo de desenvolvimento do Eu ocorriam alterações crônicas que formariam o caráter. Em outras palavras, o que produz a formação do caráter seria a rigidez do Eu resultante de uma alteração crônica. O Eu fez isso para proteger-se contra perigos e ameaças, fez por estratégias de proteção. A esta estratégia de proteção crônica Reich chamou couraça. As couraças se formam como resultado crônico do choque entre as exigências pulsionais e o mundo exterior que frustra essas exigências. Isso corresponde a dizer que a criança, em seu impulso de vida, encontrou barreiras que a frustraram e que contribuíram para que ela construisse uma parede corporal de proteção. Para Freud essa parede de proteção estava nos mecanismos inconscientes. Para Reich essa parede chama-se caráter e se constitui numa integração do aparelho psíquico e do aparelho fisiológico. O caráter é uma maneira de portar-se no mundo em dinâmica psico-física conjugada.
       Assim sendo, essa rigidez ou enrijecimento vem acompanhando a pessoa e ela está tão acostumada a lidar com o mundo através dela, que passa a acreditar que essa forma crônica é ela mesma. Enquanto existe um benefício que se origina no caráter, o Eu nunca irá se questionar sobre ele. Todavia se, num dado momento da vida, algo começa a incomodar, o Eu irá deparar-se frente e frente com uma necessidade de transformação que implica seu corpo psico-físico. Se tiver coragem irá empreender um caminho longo e difícil de transformação.
       Nos tempos de Freud e Reich havia um determinismo aprisionante que colocava a mudança como algo raro, pois a cronicidade e a dificuldade de acesso aos pontos inconscientes dificultavam esse posicionamento mais maleável. Hoje os tempos são outros e a leitura de mundo e de humano favorecem às mudanças e as reconstruções de si. Em se falando de corpo, importante conjugar as múltiplas dimensões do humano em seu trabalho de reconstrução de si no mundo: corpo físico e corpo psíquico, marcando a unidade do sujeito.

Para saber mais: REICH, Wilhelm. Análise do caráter, São Paulo: Martins Fontes, 1989.

quinta-feira, 30 de junho de 2016

A mente cooperada com o espírito

       Outro dia fiz uma poesia inspirada nos selos vindos dos Maias e interpretados por José Argüelles. Sigo essas premissas tem um tempo e as sinto válidas. É curioso compreender um sentido para a entrada, refinamento, processo e saída de energia no universo. De uma gênese a um lume no universo.
       Então, recentemente fiquei curiosa com os tons. Os 13 tons que movimentam os vinte selos, combinando-se harmonicamente em um ciclo de 260 dias. Esses tons são como ações.
       Esse calendário de 260 dias combina jogos de quatro dias. E o começo do processo lembra o que aprendi com Doro sobre a forma e o limite. Nessa dinamicidade dá-se um movimento para fora da forma. Depois, faz-se necessário refinar, com humildade, o que veio de fora da forma. E só assim transformar. E com paciência. Ao final, o poder do saber. Eles falam em quatro semanas. Um ano com treze meses, cada um com quatro semanas. Sete dias para mergulhar fora, sete para refinar o encontrado, sete para transformá-lo com paciência e, por fim, sete para atuar o saber.
       Os treze tons dialogam com esse movimento de quatro. São eles:
1 - Atrair e entrar.
2 - Dualizar e tensionar
3 - Ativar (do duo ao trio)
4 - Configurar
5 - Ter mobilidade e realizar. Pulsar o tido. Reverberar.
6 - Organizar para harmonizar-se ao todo
7 - Canalizar (ajustar-se ao tom)
8 - Sintonizar (eu vivo o que acredito?)
9 - Reafirmar. Pulsar e realizar.
10 - Produzir (aperfeiçoando)
11 - Dissolver (liberar-se)
12 - Doar-se ao todo (cooperar)
13 - Transcender

       Algumas culturas produzem saberes, cujo objetivo é desenvolver a mente para que ela consiga ações espirituais. Precisamos desenvolver frequências para que o espírito possa atuar cooperado com a mente. Esse, dos selos tribais movidos por tons, seria um dos caminhos possíveis. Conheço outros e respeito muitos. Alguns eu sintonizo e exercito com mais frequencia. Esse calendário é um deles. A cada dia, um kin. E de tempo em tempo, um dia de não tempo para não ser. 
       Aqui no blog, só um algo mais para registrar, compartilhar e ter por perto para estudar.
       Quem ficou curioso - digite e busque: Tzolkin

terça-feira, 28 de junho de 2016

Ler Leitura

Ler, ler, ler
Ler para me inspirar
Ler não para determinar o certo
Mas para alimentar meus diálogos internos
O que eu leio,
é para me inspirar.
E inspirada, amplio meu dialogar.

sexta-feira, 17 de junho de 2016

A métrica

       Fazem alguns anos que estudo o ser humano e o mundo. Meu viés sempre foi o da filosofia da ciência e, obviamente, meus campos de formação: a psicologia e a educação. Esses anos de estudo me permitem forjar algumas imagens que me ajudam a construir algumas explicações.
       Uma delas refere-se à métrica. Métrica, de medida. Medir em metros, metrar.
       Colocaram medidas no mundo. Construíram a métrica. E, a partir daí, tudo ficou pautado pelas medidas. Colocaram a régua que determinou o dentro da métrica e o fora da métrica. Ao colocar a medida, colocou-se o padrão esperado de medida. Os gregos fizeram isso criando proporções.
       Então, pagamos um preço por isso. Passamos a nos olhar uns aos outros em termos de transtornos. Você é transtornado por estar fora da medida. E isso gerou a consequente patologização do humano. Dentro da medida: normal. Fora da medida: anormal. Só que as medidas são arbitrárias, não são da natureza, são do humano, pelo humano e para o humano.
       É por isso que fica tão difícil fazer meus alunos de psicologia compreenderem o humano em termos de processos subjetivos, pois eles estão formatados pela métrica.
      Em atividade com um filme, procurando mostrar um ser humano vivendo a vida e construindo seus processos subjetivos no lidar com ela, escuto o estudante perguntar: "Professora, o que a garota do filme teve foi um transtorno de adaptação?" - a resposta é não! Ela não teve um "transtorno de adaptação". Ela teve um momento de vida significativo, que fez com que ela sentisse uma dor pela perda, um encontro com a solidão, a necessidade de uma reconstrução de si, pois seu mundo mudou. Ela teve uma processo subjetivo de diálogo consigo mesma e com o mundo, que permitiu ela caminhar por sua história e resolver sua situação angustiante. Ela viveu um processo subjetivo, não algo fora de uma métrica.
       Não é possível negar a existência dos transtornos, mas é possível compreendê-los de uma forma que não seja a patologizante, tão comum no modelo biomédico, que procura as doenças e, acreditando compreender a doença, indica os seus remédios. Para sair desse modelo temos que trocar os óculos de visão de mundo. As "doenças" são construídas. E quem as constrói, pode desconstruí-las.
      Não é justo olhar o ser humano buscando a doenças ou tentando encaixá-lo num métrica. É justo olhá-lo como um potencial expressivo, que é capaz de criar a si mesmo e se recriar, sabendo que seu espaço de vida é social, é cultural e que faz história.
      Existe um mundo em função da métrica. Difícil sair disso. O que precisamos é nos liberar da métrica como sendo a única verdade possível, gestando novas possibilidades, novos conceitos. O humano tem predisposição para ser muitas coisas. Para ser e para não ser. Interessante é captar a dança entre essas possbilidades, perceber quando se identificou com uma e ali estacionou, compreender se esse estacionamento causa prazer ou dor. E caminhar, caminhar. Ser humano é caminhar, senão não seríamos bípedes e verticalizados, com dois pés firmados no chão da Terra.

domingo, 12 de junho de 2016

Aprendizagem e sentido

       Hoje passei parte do meu dia corrigindo provas de psicologia social comunitária. A prova contava com duas questões discursivas, que precisavam ser respondidas mais com compreensão do que com acumulação de conhecimento. Ao corrigir as provas, percebia que alguns estudantes conseguiram CAPTAR O SENTIDO do ponto essencial da disciplina, que seria discutir a dimensão do assistencialismo e do empoderamento, assim como articular os conceitos de comunidade, redes e o papel do psicólogo social comunitário. Então, enquanto lia as respostas, compreendia que isso poderia ser a aprendizagem: captar os sentidos.
       Nós humanos podemos captar sentidos e aprender; produzir sentidos e criar. O sujeito na subjetividade cria intenções. A intenção produz uma ação, que gera um movimento, que irá encontrar novas intenções. Entretanto, as intenções podem ser criadas, ou seja, podemos produzir novas intenções, mas também podemos usar intenções já produzidas. O já produzido entra como recurso possível ao processo subjetivo. O humano pode criar ou reproduzir, e o criar coloca o sujeito, para o bem ou para o mal. Quando há criação e manifestação, há um sujeito ativo.
       A subjetividade é o Todo. Muitos Todos produzem um novo Todo, diferente da soma dos Todos que o compõem. A subjetividade é o Todo e só existe subjetividade no Todo. O Todo é o singular e o plural, dependendo de onde está o foco e  intenção.
       O nosso trabalho é pedagógico, temos que fazer pedagogia. Temos que educar e o que transforma é O educar como ação. E, sendo ação, se faz no sujeito. No meu caso, compreendo que trabalho com produção de sentidos, tanto como psicoterapeuta, quanto como educadora. Provoco para que o outro produza em si seus sentidos e assim alcançarmos transformação.
       A isso procurei caraterizar como Pedagogia em si - eu não aprendo fora, em abstrato. Aprendo em mim, em ato e captação de sentidos. Captar o sentido de algo compartilhado é abrir em si uma nova zona de sentido. Produzir um novo sentido é produzir novas zonas de sentido ao conhecimento humano. Alguns se dedicam a isso: ampliar o conhecimento como novas zonas de sentido. Outros apenas captam sentidos já colocados. Mas todos podem produzir novos sentidos em sua subjetividade individual. E compartilhar seus novos sentidos para que eles possam ser captados por outros.
       É estranho tentar dialogar com o aprender e o produzir. Temos que aprender coisas que outros produziram. Mas para que isso passe a ser recursos nas minhas configurações subjetivas, preciso produzir para mim. Para fazer sentido em mim e para mim precisa ser meu, em mim. Seria esse o diálogo que Mead queria com o Eu e o Mim? Dois momentos que estão em diálogo para construir o meu real? Em algum lugar a dialética se faz una. Que seja, então, na subjetividade. 

segunda-feira, 6 de junho de 2016

Fim de semestre na disciplina Psicologia Comunitária

Bom dia, comunidade!
       Vamos ao encerramento de nossa discussão sobre os temas que emergiram nas socializações. Como a turma é grande e o tempo é curto, vou aproveitar essa manhã para dar uma "aula escrita".
Sobre nossos temas sociais:
       Criança e idosos voltaram no segundo dia, reforçando um destaque a esses dois temas, pois são o começo e o final da vida e, os dois, estão demandando trabalhos sociais.
       Tivemos a presença de dois temas polêmicos: religiosidade e gênero. Passamos um pouco pela sanidade mental e física (tema relevante para a psicologia) e também pela organização social. Nossa sociedade é uma organização um tanto fragilizada que aponta carências em muitas direções. Somos um tipo de Rede onde certos núcleos retém, acumulam, deixando outros núcleos desprovidos. Esse acúmulo é de conhecimento, recursos, estratégias, tudo aquilo que pode circular por uma Rede humana. Como a Rede se faz de trocas, acumular desarmonizadamente não é interessante para a Rede como um todo.
       O tema da religião/espiritualidade precisa ser compreendido por um psicólogo comunitário da seguinte maneira: religiosidade não é o mesmo que espiritualidade e cada pessoa tem o direito de escolher sua via espiritual. Na psicologia defendemos a liberdade e o respeito em torno a este tema. E alertamos que é na religiosidade que a coisa se torna "separação entre os humanos", por conta da diversidade possível e da construção do limite que cada religião faz entre o verdadeiro e o falso. Tememos as lideranças opressoras e mentirosas. Defendemos a conscientização do tema como um elemento cultural, arquetípico, ancestral, cheio de simbolismos conscientes e inconscientes. Saber pilotar por esse tema tão rico em códigos é uma destreza importante de ser adquirida, pois assim transitamos bem por todas as matrizes religiosas que cruzarem nosso caminho de trabalho profissional.
       Fico feliz que, pela primeira vez nesse trabalho um grupo trouxe o tema da matriz religiosa africana, muito cheia de preconceitos e desconhecimentos em torno dela. É importante conhecermos os contrapontos dos mundos fechados que transitamos. Comunidades de matriz católica ou protestante aparecem fácil. As marginalizadas são mais invisíveis e protegidas, pois já sofreram muita discriminação. Existem as movimentos espíritas também, que muitas vezes caem num assistencialismo traiçoeiro. E temos as matrizes orientais, que também são possibilidades culturais de relacionamento com o imaterial.
       A psicologia precisa trabalhar pela construção de uma sociedade harmônica, que integre o imaterial e o material na mesma dimensão de respeito e igualdade de direitos. Não importa a matriz cultural religiosa, importa o sentido de conscientização e de emergência de sujeitos.
       O tema dos gêneros e das relações entre eles precisa ser compreendido por um psicólogo comunitário da seguinte maneira: falar em humano é falar em uma possibilidade de múltiplas manifestações. Quando uma criança nasce não está determinado o que ela será em termos de humano. Vai depender de todas as circunstâncias e vicissitudes que encontrar pelo seu caminhar na vida. Precisamos desenvolver o respeito por cada um, sendo cada um como um possível. Aqui entra o tema da violência e do afeto. Esse jogo de atração e repulsão nos dinamiza tanto, que muitas vezes perdemos a capacidade de pilotar nosso existir. Assim, vamos resolvendo esse jogo da maneira que conseguimos. E fazemos nossas opções por amar e por rejeitar ao longo de nossas vidas.
       Para tratarmos esses temas com coerência, precisamos ir um pouco mais além, pois aqui precisamos falar de "matriz cultural" - nossa matriz cultural é patriarcal, masculina, branca, elitizada e dominadora. Isso é simbolizado no Europeu que aqui chegou e encontrou Nativos (não brancos, não elitizados, com outros diálogos possíveis entre o "masculino" e o "feminino") e trouxe Negros (com outros simbolismos constituídos), subordinando-os. E aqui fez-se uma miscigenação.
       O brasileiro é um produto de uma mistura de diversos genes, credos, códigos e modos, que faz com que nós sejamos muito mais do que qualquer uma daquelas outras matrizes anteriores (branco, índio e negro). Assim, precisamos compreender que nessa matriz muitas coisas tidas como "verdade de maioria", podem não ser a verdade, pois temos uma parte do grupo que se fez dominante, criminalizando o que não fosse "oficial". Nessa criminalização e marginalização entra a forte matriz vinda da Europa medieval, das cortes, da Igreja e das doutrinações, que trabalhou na imposição de uma crença por meio do medo e da violência. Assim, nosso Brasil ficou muito cristão-europeu e perdeu de vista outras matrizes que lhe são importantes. Perdemos a relação com a natureza, tal como tinham os índios; e a relação com as divindades naturais, tal como tinham os negros. Nossa cultura foi forjada no domínio do modelo Europeu em termos de códigos e, desde depois da segunda guerra, esse trabalho de dominação cultural seguiu perpetuado pelos Estados Unidos, colonizando o Brasil, impondo seu modelo e dificultando a percepção das múltiplas matrizes culturais humanas que aqui temos. O dominador faz um trabalho de construção de uma monocultura, excluindo as diversidades. Por isso precisamos conscientizar as pessoas desse jogo perigoso. Temos que ajudar as múltiplas matrizes culturais a se manifestarem em suas comunidades de base. Temos que conseguir construir diálogos.
       Nesse trabalho de conscientização entra o respeito aos excluídos da grande matriz: os negros, pobres, analfabetos, camponeses, nativos, as santerias, as mulheres e suas ervas, seus saberes, seus ciclos, tão inconstantes e diferentes do homem racional, previsível e mecanicamente ritmado. Essa matriz racional e mecanicamente ritmada constrói, também, o sentido de sanidade e de loucura - campo onde temos que atuar.
       Aqui ressalto a ampla constatação de todos os grupos, que o problema, muitas vezes está em singularidades que se sentem apartadas do todo. Pessoas com dificuldades de relação, de compreensão do trabalho em grupo, interesses confusos, ganhos secundários, etc. Nosso trabalho seria o de sensibilização para a importância de um trabalho de desenvolvimento pessoal. Saber quem sou eu para ter consciência de qual lugar social eu ocupo. E assim, ajudarmos ao todo.
       Na dialética da hegemonia e da contra-hegemonia a humanidade vai construindo sua história com os diferentes, tentando harmonizar sua caminhada entre tantas desarmonias. Precisamos desconstruir muitos mitos criados para sermos boas psicólogas e bons psicólogos e conseguir ajudar nossa sociedade a respeitar as diferenças, compreender as opções, lutar por uma sociedade mais instruída e responsabilizada por si mesma. Quando colocamos a responsabilidade de nossa vida fora, ficamos caminhando, caminhando e nunca encontraremos resolução. Levantando um princípio mais autopoiético, quem sabe, emergirão mais sujeitos ecológicos nas nossas redes humanas.
Espero que o curso de psicologia social comunitária ajude a instalar essa matriz ética em cada um de vocês! Precisamos de psicólogxs comprometidxs com o todo do humano!

Abraços!!
Grata ao trabalho de grupo que conseguimos!!
Profa. Ana
Texto publicado à turma de Psicologia Comunitária do IESB Oeste, escrito na manhã de 06/06/2016, Brasília-DF.

domingo, 22 de maio de 2016

Minha porta para o mundo

       Aprendi, na minha caminhada com meus professores, que buscamos portas para o mundo.
       Ao longo do tempo, no caminho da espécie humana, criamos algumas portas.
       Essas portas nos levam a lugares com janelas, de onde podemos olhar ainda mais a amplitude do mundo.
       Na busca por essa amplitude da visão, criamos os jogos com as imagens.
       Reificamos a porta para as janelas, traduzindo a poesia abstrata em linguagem digital.
       Hoje abrimos todos os dias nossas caixas de comunicação, que são portas, e vamos de uma janela em outra, multiplicando as portas, que antes eram materiais e agora estão imaterializadas aqui, nesse espaço, onde agora escrevo e publico, para já não mais me pertencer.

sábado, 21 de maio de 2016

Da Bio-cibernética ao Eco-lógico

       O termo biocibernética tem um grande valor, mas ele entrou em campos de muitos questionamentos e invalidações. É possível falar que o século XX foi um tempo de revoluções paradigmáticas. Esse século marcou a movimentação do pêndulo da mecanicidade à complexidade, passando pela construção da biocibernética, que sendo questionada, pode ser compreendida como ecológica.
       Nas vias de compreensão do humano, da vida e do universo como um todo, a humanidade elaborou estratégias de explicação que variam de um ponto de máxima concretude, chegando à máxima abstração. Quem somos nós? Entre extremos podemos dizer: ou somos a matéria, ou somos a energia. Ou somos os neurônios, ou somos os pensamentos. Ou somos os hormônios, ou somos as emoções. Se somos um lado da moeda, não somos o outro. Todavia, essa polarização, muitas vezes compreendida em dicotomia, está sendo suplantada pela percepção da unidade na diversidade. 
       O modelo moderno de pensamento científico e filosófico participou com força neste século fazendo o papel de verdade inquestionável e absoluta, marginalizando as vias mais singelas e coerentes do ser estar no mundo. As vias do pensamento moderno nos levou a valorizar mais o material, o efêmero, a padronização e universalização, a alienação, a disciplinarização, entre tantas outras, abandonando o outro lado da mesma moeda, que agora urge em se manifestar.
       Nos rumos de uma compreensão mais sistêmica, forjou-se a noção de uma biocibernética, que seria o movimento da vida para se auto-regular e, assim, perpetuar a si mesma. Na linguagem das retroalimentações, numa cibernética informacional, a vida dialoga consigo mesma na sua diversidade, e se aperfeiçoa para chegar a ter consciência, para daí poder pensar sobre si mesma.
       Essa linguagem atendeu por um tempo alguns dos inquietos pensadores da vida, tentando traduzir em unidade o corpo físico que foi compartimentalizado pela ciência positivista e mecanicista. Na procura por compreender que todas as partes estão ligadas, configurando sua harmonia de todo, a possibilidade de pensar um processo unitário que conjuga, inclusive, a filogênese e a ontogênese, o conceito de biocibernética marcou um lugar. Compreendendo que a vida se faz por codificação e de-codificação, creditou-se à biocibernética o entendimento da vida e suas manifestações.
      As críticas e recusas, mestras das revisões e avanços em termos do pensamento humano, convidou os sentidos a serem re-trabalhados, para assim chegarmos nas vias da linguagem mais propícia à necessidade de dar uma resposta que possa ajudar o humano a ajudar a si mesmo. Sendo assim, emerge como matriz conceitual a ecologia, linha de pensamento que ajuda a integrar os múltiplos cacos fragmentados pela história da modernidade. O sentido de todo precisa de uma ética ecológica para que as pessoas, inclusive, se sintam mais responsáveis pelo seu estar aí no mundo.
      O mais difícil é fazer valer esse pensamento, que ainda hoje perde espaço ao pensamento materialista e mecanicista. Vamos considerar, então, que ele só se consolidará pela autopoiese, ou seja, migrar a produção do conhecimento para a primeira pessoa, tirando da impessoalidade a compreensão do humano, da vida e do universo. No caminho da ciência em primeira pessoa, uma pedagogia de si em si.
       Aqueles que defenderam o conceito de biocibernética nos anos 60 e 70 do século passado possuem hoje um novo código, uma nova morada: a eco-lógica, algo que integra o humano ao vivo do planeta e ao vivo de si mesmo como aquele que pensa o ser que pensa.
       Eu, como autora, não abandono a biocibernética, mas a integro nos avanços do pensamento complexo do tempo presente que vivo. Se meus professores vivessem hoje também compreenderiam isso e imaginariam seu fazer como uma eco-lógica.

domingo, 1 de maio de 2016

Por um calendário para a paz

Uma luz
Que nasce
Do sopro
Da noite
Da semente
Do réptil
Que enlaçou os mundos
Da matéria
De uma estrela
De uma lua
De um sistema límbico
De um antropóide
De consciência
De caminhante
De uma magia
De uma visão
De um guerreiro
Em uma Terra
De imagens reais e irreais
De um processo
De uma luz
Que nasce ...

Pela vida em ciclos, pelos ciclos em vida.
Inspiração de um domingo de descanso do trabalhador.
De poemas e compreensões.
30 anos depois de 1986.

domingo, 10 de abril de 2016

O corpo é um símbolo

       O corpo é simbólico. Ser mulher é simbólico. Ser homem é simbólico. Muitos significados e sentidos estão concretizados no corpo como um símbolo. A sexualidade, por sua vez, também está carregada de simbolismos. A perversidade é uma expressão de uma ação (sexual e/ou violenta) simbolizada, ou seja, está carregada de sentidos e significados. Melhor dizendo, de sentidos subjetivos, pois são unidades simbólico-emocionais.
       Saber traduzir esses símbolos e interpretá-los é importante para um trabalho psicológico mais coerente e efetivo. E essa tradução é feita na medida que conseguimos conjugar essa simbolização na dialógica da pessoa humana e do mundo social. Ambos são sistemas bastante complexos e cair nos desvios do reducionismo é fácil para qualquer um de nós. O que quer dizer uma palavra? O que quer dizer um objeto? O que quer dizer uma imagem?
       Existe um diálogo entre a pessoa e a sociedade na dinâmica e no movimento de um e de outro, onde um provoca o outro constantemente. E a Psicologia Social pode usar de alguns códigos para conseguir estabelecer uma decodificação coerente, fazer interpretações que passem pelos sentidos singulares conjugados com os sentidos coletivos das simbolizações.
       E algumas vezes as pessoas pensam, mas não estão produzindo, estão reproduzindo algumas coisas que escutaram e que passaram a considerar como certas. Quando isso acontece podemos dizer que as pessoas “são vividas” pelas grandes representações sociais. Na maioria das vezes isso acontece por uma falta de pensamento crítico e pela própria configuração da escola, que não nos ensinou a pensar, só a reproduzir conceitos prontos. Por conta dessa possibilidade de passividade muitas vezes as pessoas também não “agem” e sim “são agidas”. O grande desafio é discernir onde acontece o agir ou o ser agido, a voz ativa ou a voz passiva, o ser sujeito ou o ser objeto da circunstância.
       O ser humano precisa estar ciente de que sua subjetividade é o que lhe fornece seu maior potencial: o subjetivo criador. Para sairmos do ser passivo e advirmos ao ser sujeito, precisamos de estímulos aos nossos processos reflexivos que permitem um pensamento mais crítico frente ao ordenamento social.
       O nosso potencial subjetivo criador nos possibilita a construção de universos que conjugam em diferentes medidas o imaginário e o real. Então perguntamos: Que universo Deuseli criou? Que universo criaram para ela?
       No caso de Deuseli temos mais perguntas do que respostas e o psicólogo precisa lidar com essa angústia do “não saber”. Eu, simplesmente, não posso afirmar! Tudo o que posso fazer é ampliar os questionamentos. Com esse movimento de ampliar questionamentos é que podemos começar a vislumbrar o não visto.
       Quando avalio alguém como: superior ou inferior, como certo ou errado, como mais ou menos, como maior ou menor, estou lhe atribuindo um juízo de valor. Então, a psicologia que não julga por valores, e sim pelo termômetro da humanidade (mundo compartilhado, singularidade, diversidade e direitos humanos), precisa estar atenta às afirmações que faz mediante evidências que não são fatos.
       Por exemplo, não sabemos por qual razão Deuseli saiu do hospital. Ouvimos dizer que religiosos evangelizadores passam pelo hospital, mas não podemos afirmar que foi a influência deles de uma maneira linear que a fez sair do hospital. E a própria chatice de estar em um lugar onde nada acontece? E a sensação de que estão me enganando e não vão me levar ao aborto aqui dentro? E se ela saiu para tentar aborto lá fora, sozinha, em momentos da trajetória e das vicissitudes das quais não temos relatos? – Quantas possibilidades.
       Por aqui vamos caminhando pelas linguagens do não dito. As coisas que “ouvimos falar” não são fatos por si só. São só coisas que ouvimos falar. E essa consciência é fundamental para um psicólogo. A incerteza é um lugar incômodo e permanecer nela pode ser ansiogênico, mas nem sempre é possível afirmar com certeza em se falando de casos que envolvam transtornos psíquicos. A dialógica do real e do imaginário é traiçoeira, por ser cheia de armadilhas.
       Um dos códigos que temos na nossa cultura é o da machismo, por exemplo. Na nossa cultura é mais fácil ver Deuseli como vítima do que Nego Vila. Alguém pensou na hipótese de Deuseli ter estuprado Nego Vila? Ter forjado uma cena, o seduziu, o envolveu e produziu a loucura, a desmedida, a desarmonia? Ele não parece ter muita consciência de si. Um coadjuvante interessante para provocar um evento.
       Outros símbolos sociais que aparecem na história são a pobreza, o feminino, o assassinato, as exclusões, os dogmas com suas prisões, as normatizações e os desvios delas, o Estado e seus paradoxos contraditórios, a alienação das pessoas sobre a sua condição de humano.
       Precisamos nos questionar: adianta o direito à vida se não temos direito à sanidade?
       Uma reflexão sobre algo é uma construção pessoal. É conseguir olhar as múltiplas dimensões de um evento social humano e compreendê-lo por todos os prismas. Quem estava certo no caso de Deuseli? O que ela está querendo dizer ao mundo como um corpo simbólico?
       Quando pensamos em nossas instituições vemos como todas andam em falência e o quanto precisamos urgentemente reformulá-las: a escola; a família; a igreja; o estado; o trabalho. Os sentidos mudam e as instituições precisam acompanhar as mudanças e não somente ficar atreladas à prisão das tradições.
       Deuseli precisava de algo que poucos de nós temos: o direito de ser humano. Seu corpo virou um símbolo do descaso, do abandono, da incompreensão, da solidão de ser um num mundo tão cheio de gente e tão vazio de humanidade.

Essa postagem é uma homenagem à Deuseli, uma anônima brasileira sem rosto, sem vida, sem autonomia, sem chances. Personagem do documentário À margem do corpo, de Débora Diniz.
É uma postagem feita especialmente para os aprendizes de Psicologia Social II do IESB-Oeste, pois assistimos juntos ao documentário para dialogarmos sobre identidade, códigos, papéis sociais, instituições, ser humano, história e cultura. Se quer entender um pouco mais o que aqui se encontra, vale ver o documentário, que está disponível integralmente na internet.

terça-feira, 5 de abril de 2016

Vamos falar sobre códigos

       Por sermos seres simbólicos, passamos nossos momentos de vida lidando com códigos. Códigos produzidos e códigos decodificados. Alguns são instituições cuja origem está perdida no tempo e no espaço. Ícones inacessíveis à interpretação fácil. Outros são cotidianos, quase banais. Mas todos são códigos.
       Lendo o livro "O temor do sábio", de Patrick Rothfuss (Ed. Arqueiro), encontro um exemplo didático maravilhoso do que é a comunicação e a produção de símbolos que a possibilitam. Um jovem de uma tribo encontra uma nação absolutamente diferente da sua (e de outras que tenha transitado) em termos de modo de vida, visão de mundo e produção de símbolos. E para ele, que quer aprender a arte poderosa dessa nação, é um grande desafio cada novo passo de sua aprendizagem.
     O herói da história vem de um mundo com muitas palavras e múltiplos significados rasos. A nação que visita usa de uma linguagem gestual, poucas palavras e configurações muito diferentes de moral e de usos e costumes. O sentido de vida, coletividade, sexo, gênero para essa nação é completamente novo por ser muito distinto de tudo o que ele aprendeu em sua vida, ainda que tenha tido uma vida de trânsito por diversas outras localidades.
       Lendo o livro, e admirando a maestria do autor na construção dessas linguagens, lembro das aulas de Psicologia Social II sobre esse tema e lembro de tudo o que aprendi com Mario Baldani e que materializei no livro "A Biocibernética Bucal em verso e prosa". Quando falo de produção e decodificação de símbolos preciso falar de biocibernética, ou seja, os múltiplos códigos biológicos que traduzem o sentido da vida. O que defende essa ideia é que nosso viver é pautado na decodificação de códigos, que começa pelos códigos da vida (da lógica da vida, ou bio-lógica) e continua pelos códigos culturais (da lógica do humano antropomórfico social).
       Ao longo da história criamos os códigos que conduzem o nosso viver. No caso do personagem do livro, aprender uma arte significava ter que inserir-se em códigos diversos, que demandavam nova postura, novo entendimento, novas ações.
      O fato de sermos simbólicos faz com que nossa sobrevivência dependa da capacidade de decodificação de códigos socialmente construídos. Hoje, o comunicar acontece por vias distintas das vias de nossos avôs e avós. Isso representa os novos modos de subjetivação possíveis ao humano. Falar sobre códigos é perceber que sentidos e significados permeiam o nosso viver.
      Ao falar de biocibernética estamos falando de uma linguagem codificada em arranjos (bio)químicos, que dialogam com outros arranjos (bio)químicos, diferenciando-se nas mais diversas formas do viver. Uma linguagem sagaz e poderosa, pois se assim não fosse, uma mórula não saberia por quais caminhos seguir e não haveria a diferenciação, em meu entender, o momento mais mágico e inexplicável da vida.
       Cada unidade do todo, de posse de sua inteligência autopoiética, tomo rumo na construção do diverso, fazendo com isso que seja possível a vida com os mistérios de seus desdobramentos. Isso é falar de códigos.
       

domingo, 27 de março de 2016

Sobre o ser Doutora

       Meu pai me deixou um exemplo de mente cooperativa. Minha vida, com meus irmãos, me mostrou um exemplo de vida competitiva. Imagine, somos 07 e nasci como sétima. Conheço a cooperação e a competição de berço.
       Hoje procuro conjugar minha vida no mundo a partir de um princípio cooperativo, mesmo sabendo que estou em um mundo um tanto competitivo. Não consigo acompanhar os marcos da competição e tendo a vivenciar princípios de cooperação no meu cotidiano. E essa minha decisão me leva a pensar sobre minha condição de doutora. Afinal, fiz esse ritual de passagem, mesmo que no passar dos anos repetia a mim mesma que não o iria fazer.
       Para mim, um Doutor é como um artista que precisa de um mecenas. Alguém que confie na sua capacidade e invista no seu desenvolvimento, pois um Doutor é um artista da produção do conhecimento. Ele precisa ganhar dinheiro com o seu pensar. Mas o seu pensar é algo que precisa avançar nas zonas de sentido do pensamento humano.
       Produzir ideias é como uma arte que precisa de inspiração e transpiração para a sua expiração. No Brasil quem ainda faz isso melhor (ser mecenas de um doutor artista e artesão) são as universidades federais. São muito poucas as Instituições de Ensino Superior que atuam como generosos mecenas. Por isso muitos de meus colegas sonham com sua vaga numa Federal. Bem, eu não sonho bem com isso.
       Não tenho isso como meta pois, soma-se a isso a constatação do mundo competitivo, que cria sistemas de avaliação baseados mais em quantidades. Avaliações desproporcionais causam desvios indesejáveis. Doutores avaliados pela quantidade correm o risco de estafar, perder qualidade, desistir da criação, entre outros. Acabam por publicar mais do mesmo e mais do mesmo, abandonando o maior talento do artista: produzir o novo, o inusitado, o surpreendente.
       Se estamos preocupados com construção de mundo com garantias de direitos humanos e ecológicos temos que nos preocupar com as setas que direcionam o mundo via processos avaliativos. Se as instituições de fomento de pesquisa continuarem na sua forma de percepção e avaliação por vias quantitativas e no alto grau "qualis A", vamos perder bons doutores que produzem conhecimentos qualitativos. Eles vão caminhar pelas margens das rodovias do saber quantidade.
       Um país que não cuida de suas bases vai ruir nos castelos das quantidades. Avaliação Qualis A na ponta de cima não responde aos interesses de um país Qualis Z na ponta de baixo. Fica desproporcional.
       Sobre o ser Doutora, digo ... bom ter um blog para poder registrar minhas ideias sem ficar presa nos marcos avaliativos competitivos, todos marcados pela inerente postura ególatra do que se acha mais por ser um tanto menos. Talvez se eu fizesse um artigo ele ficasse estacionado nas filas das impressões. Aqui as ideias fluem melhor, e fluem direto. Já tenho as vias de meu pensamento trilhadas. Agora é mais transpirar para materializar nos cotidianos de pessoas, do que produzir ideias vagas para inundar prateleiras de estantes virtuais. Quando instituirmos a nova ciência, vamos perceber que já instituímos as novas vias de publicação. Tenho a sensação meio estranha de que a ciência anda um passo atrás.