Minha razão

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Criei esse espaço para postar subjetivações subjetivantes do sujeito que sou!
Filosofia, psicologia, educação.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

Jung e o diálogo do coletivo com o individual

       Esse post começou a ser gestado em julho, agosto desse ano. E precisou ficar no forno por duas razões. A primeira, uma certa falta de tempo e oportunidade de estar sentada com o livro, numa mesa adequada e conseguir organizar minhas notas de leitura em um texto mais ou menos coerente. A segunda foi um total respeito à Jung e ao que ele falou. Não poderia ser leviana e colocar um post de Jung com superficialidade, com tentativas de me mostrar dominando o tema, com desrespeito ao que a leitura do livro O Eu e o Inconsciente me suscitou. Assim, considerando essas duas razões abro a permissão para falar sobre Jung e seus pensamentos.
       Eu acredito que compreendo o pensamento de Jung por ser uma jovem garota de 50 anos que estudou com bons professores e que já faz parte de um tempo novo nas linhas do conhecimento. Só por essa razão me atreveria a debater aqui suas ideias, pois ser especialista em ecologia humana me facilita a compreensão de muitos códigos.
       Eu estudei Jung mais profundamente para colocá-lo em nosso primeiro livro (A subjetividade social na escola, 1999), pois imaginava que ele poderia dialogar com a subjetividade de González Rey, e também por um respeito histórico a alguém que falou em inconsciente coletivo num tempo, o que me validaria estar falando em subjetividade social naquele meu hoje.
       Esse ano voltou um chamado para ler Jung e um encontro com esse livro na minha estante. Tenho uma coleção de livros de Jung que herdei de uma professora querida. Eu os tenho para ler quando tiver o tempo. Assim, vendo os muitos, resolvi retomar esse estudo por esse livro citado, cuja leitura me revelou coisas importantes, e que busco aqui-agora compartilhar.
       Estudar Jung esse ano foi como mergulhar nos mares que abriram as portas para o entendimento de uma psicologia transpessoal. Quando ele propõe que o inconsciente tem uma dimensão que é coletiva, ele proporciona uma amplificação ao sentido da personalidade, do psíquico e do diálogo do singular com o coletivo. A pessoa individual, formatada biologicamente pelo corpo, nasce una. Mas é engolida pelas ondas das matrizes arquetípicas que dão a este antropomórfico uma corrente de influências inconscientes que lhe ajudam a organizar o ser Eu no Todo do humano no mundo.
       Anterior a muitos outros, pois esses escritos são de 1916, 1928, ele ousa trazer ao científico o marginal subjetivo. Freud forjou o inconsciente do eu e colocou o objeto fora, no outro. Jung forjou o inconsciente criativo, pulsante de possibilidades, magnificamente compartilhado no tempo e no espaço, desde que o humano fez-se humano, e por onde e quando ainda for fazer-se. O inconsciente não como um depósito da história pessoal, mas como conteúdos psíquicos transpessoais não inertes ou mortos e que não podem ser manipulados à vontade, pois são entidades vivas e que exercem força de atração sobre a consciência (p. 20).
       Assim, estranhos caminhos pode seguir a personalidade ao tentar lidar com sua individualidade (temperamento?) e sua coletividade (caráter?). Completamente jogada no círculo sem fim dos pares de opostos, vive a tensão entre o ser lúcida e não ser. Ser Eu e não ser. E, por incrível que pareça, em Jung a morte do singular impede o avanço do coletivo. Transpessoal e paradoxal é a vivência do psíquico, pois existe um realizar de si mesmo que seria o mais singular. Se vou muito ao coletivo, alieno-me. Por outro lado, o coletivo precisa que eu faça esse caminho de individuação. O coletivo e o individual possuem um diálogo mágico de auto-criação e criação mútua.
       O individuação seria o processo de despojar-se (o si mesmo) dos invólucros falsos de uma persona e de poderes sugestivos de imagens primordiais. Seria a possibilidade de ser singular sabendo-se no e do todo.
       Para Jung o inconsciente e o consciente não operam por oposição e sim por um princípio dialético e o "si mesmo" é os dois em um. Para que isso fique claro, a pessoa precisa conhecer em si mesma esses conceitos e fazer o caminho do auto-conhecimento. Esse ponto é importante que eu traga, pois é um dos pontos de divergência com a teoria da subjetividade de González Rey, que prefere falar que o conhecimento de si é algo que não existe. E aqui cabe uma questão: o que seria o conhecer? Quem é o conhecedor? Onde habita o conhecimento?
       Outra questão importante, que não coloco como interrogação, mas como ponto de reflexão, é que encontro em Jung a menção à ciência em primeira pessoa. Em algum momento do texto ele ressalta: não basta ler minhas palavras (ou mesmo ouvi-las) para compreender os meus conceitos. Imprescindível vivê-los.
       Meu primeiro professor de Jung foi Doro, que foi também meu primeiro professor de psicoterapia e  foi a primeira pessoa que me levou ao processo de formação e conhecimento em primeira pessoa, então, posso afirmar que compreendo Jung, pois vivi em mim o processo da construção de si no todo. Os arquétipos, os mitos, a vida se misturando com o sonho, a plena incerteza de ser e até mesmo de estar, tudo em mim vivido e compreendido.
       Grata Jung! Grata Doro!
       Os estudos sempre continuam, mas a confirmação que certos saberes chegam somente em primeira pessoa é o que me anima a continuar e continuar a aprender e trabalhar. A difícil teoria de Jung nem precisa ser toda estudada e dominada para compreender que o que ele defendia era a integração do sujeito com o objeto e por aí devem seguir os caminhos de uma psicologia transpessoal. O viver é um jogo de espelho que mistura o individual com o coletivo e cada um deverá empenhar-se no seu próprio caminho de tradução de imagens que são realidades e de realidades que são meras imagens.
       Como tenho ainda um tanto de vida, ainda um tanto tenho para aprender sobre isso ...

JUNG, C. G. O eu o o inconsciente. Petrópolis: Vozes, 1971.
Um post de Dia de Reis. Agradeço ao momento de férias que me aproxima de meu blog.

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