Minha razão

Olá!!
Criei esse espaço para postar subjetivações subjetivantes do sujeito que sou!
Filosofia, psicologia, educação.

sexta-feira, 3 de abril de 2020

Espiritualidade

Recebo alguns questionamentos sobre a espiritualidade.
Como cuidar da relação da psicologia com a espiritualidade?
São antagônicos? Excluem-se mutuamente?
Se psicologia é ciência, como dialogar com a espiritualidade?

A forma que temos para responder essas questões é estudar as vias pelas quais a ciência está dialogando com a espiritualidade e vários são os autores que procuram esse diálogo. Quando isso acontece, ou seja, quando as respostas da ciência alcançam os lugares de difícil explicação racional,  chegamos na compreensão de que, enquanto humanos, temos duas dimensões importantes: a razão e a consciência. Não são a mesma coisa e precisam ser colocadas cada uma em seu lugar.

Deus, tal como pregado nos quatro cantos, habita na dimensão da razão. E ele existe tão forte, pois na dimensão da razão encontramos inevitavelmente o seu oposto complementar: a des-razão ou i-razão. Deus fala a partir de nossa irracionalidade, principalmente se Ele vem de uma palavra. A palavra escrita é do humano, não de Deus. Quem aceita que Deus está na palavra perde boa parte Dele. E muitos apelam à nossa capacidade irracional para manipular e subjugar, para dominar e sugar energia de consciência, uma vez que estando na irracionalidade fica ainda mais difícil alcançar a consciência.

Quando falamos em consciência precisamos de uma dimensão chamada VIVÊNCIA. A consciência é algo que emerge a partir da vivência individual, pessoal e intransferível, da relação de si mesmo com o inominado. Quando a consciência chega, as separações acabam e começo, inclusive, a desconstruir algumas verdades absolutas que aprendi ao longo de meu caminho de animal racional.

Quem gosta de separar e organizar é a razão que tem como instrumento um cérebro racionalista. Quando esse cérebro trabalha ele cria duas categorias básicas: o eu e o outro. Isso é uma armadilha, pois isso nos separa e ficamos aptos a colocar nosso canal de conexão no outro, não no Si mesmo. Quando esse cérebro analisa ele divide e aí cria espaços próprios verdadeiros e espaços externos não verdadeiros.

Quando alguém se sente no direito de quebrar a imagem que um outro adora é sinal de que ele ou ela ainda está na dimensão da razão, não da consciência. Aliás, quem chegou na consciência não adora mais nenhum objeto, sendo "objeto" aquilo que na base chamamos de "O Outro". Se existe um objeto externo superestimado existe também um Eu interno subestimado ou desvalorizado.

Fico imensamente preocupada com o Brasil que temos hoje. Vivemos a iminência de uma guerra religiosa, junto com uma guerra biológica, uma guerra política e uma guerra econômica. Encontrei hoje nas redes sociais cenas de pessoas brigando com outros pelos seus símbolos e pessoas associando o "juízo final" com desrespeito aos símbolos dos outros. Isso é indicador de que estamos ainda numa era de obscuridade, não numa era de consciência. A agressão ao caminho do Outro é sinal de Era da razão, pois essa agressão é irracional. Como no nosso país o desrespeito é legítimo, muitas pessoas ainda caem nas armadilhas da razão e ficam presos em esferas limitadas e limitantes do humano.

Teillhard de Chardin, que admiro muito e recomendo a leitura de O Fenômeno Humano, sugere que a vida avança em seus ciclos e que seu objetivo é chegar na Noosfera, ou seja, a esfera da consciência. Enquanto estivermos na Era da razão vamos defender o que acreditamos, o que pensamos, o que é "uma verdade própria", diferente da "do outro". Na Era da razão não facilitamos o avançar da humanidade na construção da Noosfera.

Antes de defender um ponto de vista pergunte-se: onde habita minha consciência? Se encontrar essa resposta não irá operar mais sob as linhas da separação, pois nesse lugar somos todos iguais, somos os mesmos, estamos no mesmo barco e habitamos a mesma nave-mãe: a Terra. Quem alcançou a Era da consciência não precisa mais de crenças, pois tem a certeza de que é "vida" e que habita um planeta comum com a humanidade e com todas as outras espécies vivas.

Então, espiritualidade é isso. É compreender que múltiplas são as leituras, mas uma só é a verdade. Se ainda opero por separação e exclusão (hilotropia, ou o movimento à máxima individualização), ainda estou na Era da Razão. Se consigo compreender o Todo do qual sou só uma pequena parte, estou na Era da Consciência e já sou uma contribuinte à Noosfera. Já sigo em holotropia (ou em movimento ao Todo, tal como propõe S. Groff).

Nesse tema da espiritualidade a psicologia pode ajudar trabalhando a compreensão dessas dimensões do humano (racional, irracional, consciente, inconsciente, vital, emocional, social, cultural, histórico), contextualizando e decifrando os códigos. A psicologia pode ajudar a quebrar as amarras que ainda nos deixam acorrentados nas prisões da razão e nos diques que impedem as emoções. No meu entender, espiritualidade é nos sabermos ancestrais e de futuro, vivendo aqui e agora a maravilha da lógica da vida que nos fornece o Planeta Terra.

A isso chamamos Ecologia, ou seja, a capacidade de compreender a unidade de todas as coisas e a inevitável situação de ser "vivo e frágil". Nossa fortaleza está em compreender nossa fragilidade de ser vivente. Daí a necessidade do movimento de cooperação à consolidação da Noosfera. O Planeta desenvolveu litosfera, atmosfera, biosfera e agora precisa desenvolver noosfera. Só essa esfera poderá ajudar nossa espécie e nosso planeta vivo.

Assim, precisamos cuidar com a noção de "Deus". Talvez só exista uma Deusa, na verdade: a Terra. Mãe da qual somos filhas e filhos. Imaginar que Deus está no céu produz separação entre Eu e a Terra. Talvez a criação desse Deus externo seja fruto de um cérebro racional alimentado pelo medo de um cérebro límbico. Pensem sobre isso ...

2 comentários:

  1. Usa-se rituais, músicas e dogmas como forma de cultuar a Deus e de trabalhar a espiritualidade. Se há muitas leituras, uma verdade e a necessidade de compreender que sou uma pequena parte de um todo, seria a meditação uma forma de exercer a espiritualidade?

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  2. Olá, Rodrigo. Sim, a meditação é uma prática comum em algumas religiões. Alguns afirmam que rezar é ir até Deus e meditar é Deus vir até nós. Essas são duas possibilidades espirituais. Outra possibilidade seria o xamanismo. Nesse caso,considera-se a natureza e seus elementos como Deuses e também o Grande Espírito como o grande todo. A única coisa que precisamos considerar é que nosso trabalho é pela libertação da alma humana, daí a atenção que precisa ser colocada nas religiões dogmáticas aprisionantes.
    Grata pela questão!!

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