Minha razão

Olá!!
Criei esse espaço para postar subjetivações subjetivantes do sujeito que sou!
Filosofia, psicologia, educação.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

O dente do siso: um caso

     Sara vem ao nosso consultório por estar com seus quatro dentes do siso inclusos. Mas isso, para ela, não é um problema. Não incomoda, não dói, não faz diferença.
     Ela tem seus trinta anos, é independente financeiramente, mora em outra cidade que não a de seus pais, tem profissão em uma suposta vocação que lhe faz sentido e lhe faz sentir estável e segura. Mas, apesar dessa circunstância, seus sisos estão inclusos e sua eclosão está atrasada uns nove anos ou mais. Sua dentista fala que é bom tirá-los, que pode ocorrer reabsorção óssea, que suas presenças irão comprometer os outros dentes, a arcada e etc. Isso que esclareceu a sua dentista é mais ou menos o que fala a odontologia como ciência.
     Todavia Sara não quer isso. Se fosse para fazer cirurgia já teria feito há mais tempo. Ela não quer se submeter a procedimentos invasivos. Afinal, ter seus quatro sisos inclusos não é um problema para ela.
    Assim, é nessa condição que ela procura a BioCyber. Sua mãe tem cultura psicológica e filosófica e já ouviu falar de dentistas diferenciados e, bem, Sara resolve conferir a postura do dentista diferenciado por influência de sua mãe. Na primeira sessão com o odontólogo da clínica ela escuta sobre a proposta biológica da Biocibernética Bucal, concorda com alguns pontos e com outros não.
     Como metáfora usamos a ancoragem do dito popular que diz que o siso é o dente do juízo. E Sara tem juízo! É o dente da maturidade e ela é madura e independente de seus pais. "Se for algum conflito aí, será muito inconsciente", afirma.
    O odontólogo esclarece que a liberdade de decisão sobre seus sisos é dela própria, "Você pode deixá-los ou tirá-los. Eu, não tiraria", afirma ele. "Acredito que eles possuem sua função no todo, por algum motivo estão inclusos e podemos trabalhar por eles, ou seja, ganhar seu espaço, fazer estimulação, estabelecer os trabalhos de parceria sistêmica e deixar a função do siso acontecer."
     "Faz o seguinte, Sara, experimente uma sessão de terapia miorelaxante e nela procure entrar em contato com você mesma. Veja se descobre a sua solução.", sugeriu o odontólogo.
     E assim, Sara chega ao meu consultório.
     Quando a vi pela primeira vez, sentada na sala de espera, a senti um tipo fechado. Pouco sorriso, gestos contidos. A acolhi em minha sala, começamos a conversar e ela se abriu um pouco. Nessa conversa me coloca sua questão, que são seus sisos inclusos, que não lhe representa um problema.
     Expliquei-lhe como funciona o trabalho psico corporal, quais seus objetivos centrais e como ela deveria proceder sendo agente do trabalho. Fizemos uma sessão de 50 minutos. Ao final, quando ela retornou à vigília, lhe perguntei o que tinha sentido. Ela falou: "nada!"
     Nada? - perguntei eu. Mas você sente se relaxou? - Sim, relaxou. "Mas de que eu fosse descobrir, revelar, vir um insight? Isso, não senti nada!"
       Assim, o percurso que tomei primeiro foi auxiliá-la a constar que relaxou, que seu estado corporal mudou e que esse é o primeiro objetivo da terapia neuromuscular e que, então, tínhamos alcançado esse objetivo. Em diálogo, também trabalhamos que seu problema (ou a queixa que a trouxe à clínica) não é um problema, mas que poderia vir a ser no sentido de que a dentista terá que monitorá-los, ela vai ter que tirar radiografias periódicas e os dentes terão que se tornar como um bichinho de estimação que ela vai ter que adotar e cuidar cotidianamente.
    Como orientação clínica, reforcei a necessidade do uso dos hiperbolóides*, que já haviam sido recomendados e não haviam sido utilizados há um tempo atrás. Lembrei que isso representa uma ação importante ainda não concretizada, sendo este um exercício que estimula os músculos pela mastigação e, consequentemente, os ossos. (Aqui aparece o sentido dos dentes do siso inclusos aos 30 anos, a questão que não é problema e que passa pelo posicionamento de um sujeito adulto, algo que procuro trazer pela conversa indireta, não explícita. O sujeito da ação é um dos focos de meu trabalho).
     Assim, me despedi de Sara em nossa primeira sessão, mas permaneci com minhas reflexões sobre o dente do siso e sua simbologia na Biocibernética Bucal. O dente da maturidade, da máxima maturação biológica e fisiológica do corpo humano, o encerramento de um ciclo de desenvolvimento para a abertura de um outro, o momento da tomada de decisão. O siso do de-ciso! O siso representa a chegada na cosmovisão, é o pico, a chegada no clímax de um caminho, de um processo biológico, de lógica da vida.
     Penso que talvez Sara não tenha conseguido construir uma cosmovisão. Lembro que eu havia lhe falado antes da sessão da terapia miorrelaxante que não existe bola de cristal, pílula mágica ou o insight revelador instantâneo e que a compreensão de si é um processo, um caminho pessoal de vida. Na sessão não viu a si, não se percebeu, talvez nem soube se escutar, pois ficou ocupada esperando o insight e perdeu o momento concreto da sessão, sentindo seus efeitos no corpo físico, nossa maior concretude. Constatando isso, fico sem indícios de cosmovisão.
     E, como profissional, sei que não adianta des-estressar o sistema se a pessoa torna a cair na roda da vida e se re-tensionar continuamente, desligada de si e conduzida pelo piloto automático do viver, ainda que de uma "boa vida". É necessário conscientizar-se do programa configurado, seja ele qual for. Reprogramar o necessário, ou o suficiente, e caminhar com discernimento na balança da harmonia da vida. Um constante fluxo de tensão entre matéria e energia.
     Para Sara restaria a questão: "Por que isso para mim, nesse momento da minha vida?" - Ela está perto do quinto setênio tendo que tomar uma decisão relativa ao terceiro. A vida a convida a um desafio: ela necessita tomar uma decisão!
     Eu não sabia se a veria de novo, afinal, ela morava em outra cidade e estava em Brasília só para visitar a mãe. Então, fico com meus pensamentos reflexivos, agradecendo a ela a possibilidade dessas reflexões e da aprendizagem que seu caso estava me trazendo. Com a sua ajuda avalio que, se a chegada do siso está relaciona à capacidade de atingirmos uma cosmovisão e à maturação biológica com sua máxima possibilidade de propriocepção, seria provável que Sara, como sistema, não tenha atingido isso. E, talvez, ela tenha sentido "nada" na sessão de terapia corporal por ainda estar encapsulada e inclusa, tal qual seus sisos. (Por sorte naquele mesmo dia eu tinha atendido outra pessoa que, em uma primeira sessão, tinha sentido muito, confirmando que a questão não passa pela técnica, mas pelo sujeito).
     Um dia, para minha surpresa, Sara, retornou ao consultório. Queria saber de mim se havia garantia de que a técnica fosse indicada para o que ela esperava: movimentos dos tecidos e consequentemente, nos dentes. Bem, dando garantia de que a terapia realmente influencia no movimento dos tecidos moles e duros, ela fez mais uma e mais outra sessão enquanto esteve em Brasília e nossa última sessão foi um presente, pois entramos em três na sala: eu, Sara e um estagiário que aprendia sobre a terapia neuromuscular que pratico. No meio da sessão eu trouxe o tema para reflexão:
     "Veja bem, Sara, aqui nesse ambiente temos três casos distintos de siso. Eu, que os retirei cirurgicamente aos doze anos, após tratamento ortodôntico. Não pude vivenciar o momento coerente do processo, pois fui interpelada pela situação clínica da época. Minha relação com a maturidade foi marcada por um longo caminho de compreensão apartado da eclosão de meus sisos; você, que os tem inclusos ainda hoje ao 30 e poucos anos e está precisando pensar sobre isso, sobre essa situação biológica. A vida te trouxe a esse aqui e agora; e João, que tem 18 anos e os tem nascendo, eclodindo exatamente neste momento de vida. Seus sisos resolveram eclodir no tempo certo e nós vemos João caminhando para a sua maturidade, aprendendo aqui conosco uma função social. João não está no mundo nem como o eu e nem como você. Que tipo de dinâmica terá ele com sua maturação? Perceba que jogo interessante fazemos nós três aqui e agora com esses diferentes espelhos!" Não tenho completa informação do efeito concreto da ação, mas senti que Sara percebeu algo nesse momento.
       Sara foi embora para sua casa, sua vida em outra cidade. Levou consigo os hiperbolóides e a promessa de estimular os dentes a eclodirem. Decidiu não fazer a cirurgia invasiva e vai adotar o cuidado monitorado. Levou junto a imagem de João, um jovem que vivia o auge da situação, rumando para a sua cosmovisão, coisas que ela deverá descobrir por si mesma, assim como eu tive que descobrir e construir por mim mesma.
     Para mim, em meu processo reflexivo, sinto que faz muito sentido a relação entre o que cada um vive e a sua própria fisiologia. Tudo está cheio de símbolos e decifrar esses códigos e entender os símbolos é que seria o "grande barato" de estar vivo. Sara, talvez, não tivesse ainda visão de todo. Mas depois de nosso encontro, com certeza, tem um pouco mais.

Um caso de 2008 da BioCyber - Brasília
Editado em fevereiro de 2016.

* Hiperbolóides são estimuladores musculares via mastigação de uma peça pequena (que possui diferentes tamanhos, para diferentes bocas), feita de material favorável, tipo um silicone.

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